segunda-feira, 21 de abril de 2008

"O budismo tibetano, uma filosofia? Essa é para rir!"

por Elisabeth Martens
entrevistada por Benito Perez

Bióloga de formação, Elisabeth Martens apaixonou-se pela China depois de uma estadia de três anos destinada a aprimorar os seus conhecimentos de medicina tradicional. A aventura conduziu-a de seguida até às "regiões habitadas por tibetanos", onde aprendeu a conhecer uma cultura tão diferente daquela dos Han (a etnia maioritária na China), e, no entanto, ligada ao mosaico chinês (ler abaixo). Das suas investigações sobre o Tecto do Mundo nasceu uma original História do Budismo tibetano publicada o ano passado nas edições L'Harmattan.

Como é que começou por se interessar pelo Tibete?

Elisabeth Martens: Logo na minha primeira estadia em 1990, fiquei surpreendida com as diferenças profundas entre o budismo chinês e o tibetano. Lembro-me que fiquei particularmente admirada com a quantidade fenomenal de representações de deuses e de monstros ferozes, assustadores e guerreiros dentro dos templos. De certa forma, isso assemelha-se aos ícones nas nossas igrejas: homens trespassados, crucificados, cozidos dentro de caldeirões, etc. Não há nada de semelhante no pensamento chinês, e por conseguinte nas artes. O sofrimento e o meio para uma pessoa se livrar dele não está no centro das preocupações porque ele é considerado um oposto complementar ao bem-estar. Essa diferença e outras fizeram-me reflectir: como é que um país gigantesco como a China consegue conciliar cinquenta e cinco nacionalidades que falam cada uma a sua própria língua, sobretudo com a desproporção de Han que compõem 90% da população?

A violência dessas representações, tal como a dos motins das últimas semanas, não se enquadra na imagem pacífica que se tem do budismo tibetano.

Dalai Lama e os outros membros do governo vestem as cores do pacifismo e estão encarregues de manter a imagem de tolerância e de compaixão que convêm ao budismo tibetano, com o intuito de seduzir o Ocidente. Por ocasião dos motins recentes (ler na página 9), quando os actos de violência atingiram um nível de barbárie sem nome, ele distanciou-se. No seio da comunidade tibetana no exílio existe uma cisão: de um lado, os moderados, entre eles Dalai Lama, que não pedem a independência mas uma "autonomia forte". Do outro lado, os radicais, fracção crescente no seio do governo no exílio, que exigem a independência e que estão preparados para pegar em armas se for necessário. Na verdade, essa dualidade é muito útil ao seu padrinho comum, os Estados Unidos: Dalai Lama e os seus seguidores (europeus, sobretudo) servem para reunir os intelectuais ocidentais em torno de temas sobre "democracia", "direitos do homem", enquanto a fracção mais "dura" reúne cada vez mais membros graças a um discurso musculado. Aparentemente, foram estes últimos que lançaram achas à fogueira. Ao provocarem motins de carácter racista, eles obrigaram o governo chinês a responder agressivamente.

Qual é a natureza do budismo tibetano e quais as suas funções social e política?

Com essa, está a pedir-me que reescreva o meu livro! Em resumo, o budismo tibetano surgiu a partir do tantrismo, uma das três grandes escolas ou "veículos" do budismo e, segundo os especialistas em budismo, aquela que mais se afastou do darma (ensinamento original de Buda). Em primeiro lugar, porque se trata da mais recente, em segundo lugar, porque o budismo tibetano tem a particularidade de exercer em simultâneo um poder espiritual e um poder temporal. De facto, o tantrismo desenvolveu-se no Tibete nos séculos X e XI quando comunidades do norte da Índia aí se vieram refugiar, fugindo das investidas muçulmanas. Nessa época, o Tibete estava totalmente desorganizado ao nível político e social. Os refugiados apoderaram-se da região de modo "espontâneo". O tantrismo transformou-se no budismo tibetano a partir do momento em que se adaptou aos costumes e à religião autóctones (o Bön). Pode-se dizer que na época isso foi benéfico, conduzindo o Tibete a um feudalismo organizado. O problema é que esse feudalismo se reforçou durante um milénio junto de um poder religioso extremamente repressivo e conservador. Os mosteiros possuíam mais de 70% das terras, o resto pertencia às famílias nobres. Jamais existiu um poder teocrático tão poderoso e tão rico. Não se compara com o que se passava entre nós na Idade Média, em que os mosteiros só existiam na sombra dos castelos fortificados.

Com o advento da República Popular da China em 1949, foi difícil para o alto clero tibetano renunciar ao poder. Evidentemente, esta antiga elite no exílio não tem a intenção de voltar ao antigo sistema. Ela preconiza um modelo de "mercado livre", com a re-instauração da propriedade privada das terras.

Será o pacifismo suficiente para explicar a existência de um sentimento tão pró Tibete no Ocidente?

O budismo tibetano enfeitou-se com os seus mais belos ornamentos para seduzir um Ocidente "vazio de valores espirituais". Envolvido na onda do "retorno às origens" dos anos de 1970, não foi difícil fazer-se passar pelo darma, apresentado como um "ateísmo espiritual", uma filosofia de vida, uma maneira de ser, uma terapia interior, etc., tudo menos uma religião. Ora, se olharmos um pouco mais de perto, o budismo de Buda já é uma religião no sentido em que propõe uma transcendência, algo para além dos nossos sofrimentos resultantes dos nossos limites físicos e temporais. O budismo tibetano é ainda mais uma religião, uma vez que reintroduziu dogmas, nomeadamente o da reincarnação, contra o qual se insurgiu, aliás, Buda em pessoa. Reposta a sua honra no século XVI, ela permitiu a oficialização da sucessão da herança espiritual, temporal e, sobretudo, material de um Rinpoche (responsável por um mosteiro) para o seguinte. E consequentemente as terras e os bens sobre as terras, incluindo os servos. Isso explica, por exemplo, por que é que houve tantos assassinatos entre os membros do alto clero e tantas guerras entre escolas… o budismo, graças ao seu carácter plástico, sempre se adaptou bem aos ambientes que elegeu para domicílio, no Tibete e actualmente entre nós. É sinal de boa saúde. O que não é nada são é o facto de um Dalai Lama fazer passar o budismo tibetano por uma não religião – uma filosofia – de tolerância e de compaixão destituída de implicações políticas. Isso é mesmo para rir!

O original encontra-se em http://www.lecourrier.ch/index.php?name=NewsPaper&file=article&sid=439090

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

sábado, 19 de abril de 2008

São Tomé e Príncipe: como roubar uma nação africana

Os moradores de uma minúscula ilha-Estado africana sonham com grande riqueza desde que petróleo foi descoberto em suas águas territoriais. Empresas, potências estrangeiras e políticos corruptos estão disputando licenças de exploração na esperança de obter riqueza

O lobby do Hotel Miramar, em São Tomé, seria o cenário perfeito para um thriller de espionagem tropical. Ele é o melhor hotel da cidade, o que não significa muito, mas seu lobby com ar-condicionado, completo com sofás coloridos e vasos com plantas, se tornou um importante local de encontro para todos aqueles que têm algum negócio nesta ilha curiosa: atravessadores e seus assistentes, representantes de governos estrangeiros e organizações internacionais e um grande número de figuras duvidosas. Pessoas boas e ruins se congregam no lobby do Hotel Miramar, mas diferenciá-las não é fácil.

Membros da Marinha dos Estados Unidos marcham pelo lobby toda manhã e embarcam em um ônibus para construir uma estação de radar (como todos sabem). No salão de café da manhã, duas mulheres e um homem olham silenciosamente para seus laptops; eles são membros de uma delegação do Banco Mundial que está em São Tomé para se reunir com ministros do governo. E há os homens em camisetas desbotadas que as pessoas dizem ser agentes da CIA, apesar de não ser necessariamente verdade. Boatos são comuns.

As ilhas de São Tomé e Príncipe formam um único país soberano, com população de 160 mil habitantes. Até poucos anos atrás, a única fama das ilhas eram os selos postais de Marilyn Monroe, linhas de tele-sexo fraudulentas e um produto chave de exportação, o cacau.

Isto é, até a descoberta de petróleo sob o leito marítimo além da costa do país. Poderá ser uma bênção ou uma maldição para este minúsculo país; e parece ter deixado todos loucos.

O paradoxo da abundância

No mapa mundial, São Tomé e Príncipe são dois pontos pouco detectáveis no Golfo da Guiné, quase exatamente na linha do Equador, a 200 quilômetros da costa do Gabão. O país é pacífico, democrático e desesperadamente pobre. Seus habitantes sobrevivem de ajuda estrangeira e empréstimos internacionais. Além da pequena produção de cacau, o país não possui produtos significativos.

Os são-tomenses mal podiam acreditar em sua sorte quando estudos sísmicos concluídos nos anos 90 revelaram uma enorme reserva de 11 milhões de barris de petróleo pouco além de sua costa. Eles estavam ricos! Os são-tomenses repentinamente podiam sonhar em se tornar uma espécie de Brunei, um minúsculo e rico país africano onde as pessoas podiam viver despreocupadamente. O maná dos céus!

Então o resto do mundo ficou sabendo. Empresas dos Estados Unidos, China, Noruega e Canadá enviaram equipes para as ilhas, e governos estrangeiros -em particular os Estados Unidos e a grande vizinha de São Tomé, a Nigéria- começaram a demonstrar interesse.

Uma riqueza de recursos naturais nem sempre faz bem para um país pobre. Isto se chama "paradoxo da abundância" e exemplos infelizes proliferam na vizinhança imediata de São Tomé. Um é a Nigéria, uma grande produtora de petróleo governada pelo regime corrupto do presidente Olusegun Obasanjo desde 2007. E há a Guiné Equatorial, cujo ditador brutal, Teodoro Obiang Nguema, mantém seu povo na pobreza; e o Gabão, onde a classe alta praticamente se apossou da riqueza do petróleo do país; e, é claro, Angola, ainda sofrendo dos efeitos de sua longa guerra civil.

Quando o presidente são-tomense Fradique Melo de Menezes assumiu o governo em 2001, ele prometeu manter seu país livre desses problemas. Fradique é um homem baixinho e musculoso com um grande bigode -um mercador de cacau que trata a todos pelo primeiro nome. Ele impressionou a comunidade internacional quando falou sobre o desejo de usar a riqueza do petróleo para ajudar seu país.

Fradique recorreu a Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, em Nova York, o famoso especialista americano em ajuda para desenvolvimento, para orientação e apoio. Sachs já prestou consultoria a governos de todo o mundo e escreveu um livro chamado "O Fim da Pobreza". Ele viu uma oportunidade de transformar São Tomé em um modelo e levou suas melhores equipes para investigar o país pessoalmente. Suas metas eram ajudar todos os são-tomenses a dividirem a nova riqueza, evitando o erro de depender totalmente do petróleo. Ele seria um país sem conflitos violentos.

E graças a Sachs, São Tomé possui uma nova lei do petróleo que pode ser a melhor do gênero no mundo. Ela exige que a receita do petróleo seja depositada diretamente em uma conta no Federal Reserve (o banco central americano) em Nova York. Apenas uma pequena parcela deste dinheiro pode ser reinserida no orçamento; o restante é poupado para o futuro. O controle do próprio petróleo cabe a uma comissão composta de são-tomenses de todo o espectro político do país.

Assim, ao menos, é como "deveria" funcionar. Mas a comissão ainda não existe. E ninguém viu os contratos das companhias de petróleo, que deveriam ser divulgados publicamente. Isto não é exatamente surpreendente, dado que os políticos em São Tomé nem sempre cumprem a lei.

Mas será que São Tomé pode se tornar um modelo para o mundo? O petróleo realmente existe?
'A região de petróleo mais importante do mundo'

Quando o presidente Fradique de Menezes chegou ao poder há mais de seis anos, ele impressionou tanto os especialistas quanto o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. A revista "New Yorker" escreveu: "Quem precisa da Arábia Saudita quando se tem São Tomé?" Bush se reuniu com Fradique e 10 outros chefes de Estado africanos em setembro de 2002, e apesar de outros terem entediado o presidente com discursos em francês, Fradique teria falado de forma "eloqüente, em um bom inglês com leve sotaque, sobre os interesses comuns de São Tomé e dos Estados Unidos". Bush até mesmo parou de brincar com seu lápis.

Fradique lembrou aos seus ouvintes dos "trágicos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono" e destacou a importância de fontes alternativas de petróleo fora do politicamente volátil Oriente Médio. Seu país, ele disse, se encontra em uma "localização estratégica na região de petróleo mais importante do mundo -o alto-mar da costa oeste da África".

Foi uma jogada inteligente da parte de Fradique, porque o petróleo desta região tem enlouquecido os americanos. Eles atualmente importam 13% de seu petróleo da África sub-saariana; esse número deverá crescer para 25% em poucos anos. O petróleo africano é bastante procurado por causa de seu baixo conteúdo de enxofre e suas reservas geralmente marítimas, onde pode ser carregado em petroleiros sem a necessidade de se colocar os pés em um país.

Para ficar rico, seja um ministro

O homem que foi o primeiro-ministro de São Tomé até fevereiro de 2007 se chama Tomé Vera Cruz, um homem de aspecto poderoso encarregado de dirigir um país amargamente pobre. Durante seu mandato, São Tomé mergulhou em uma crise econômica severa. O preço do quilo de arroz aumentou cinco vezes. A comida é escassa e em grande parte importada, com iogurte vindo de Libreville, no Gabão, e as massas de Lisboa. Apesar de eletricidade estar disponível apenas 12 horas por dia, a empresa estatal de energia elétrica aumentou seus preços em 68%. Uma unidade policial de elite recentemente se rebelou, ocupando o quartel da polícia e fazendo o chefe de polícia como refém.

Muitos atribuem estes novos problemas em São Tomé ao petróleo. "Nós desconfiamos uns dos outros", diz Tomé Vera Cruz. "Todos estão convencidos de que outros já estão embolsando o dinheiro. Muitas pessoas pararam de trabalhar e estão esperando pelo petróleo." A nova lei do petróleo, pelo menos, foi adotada, ele diz. "Mas é o mesmo que em outros lugares: você pode ter leis e tudo mais, mas você também tem pessoas." Ele ri em voz alta.

Há um ditado em São Tomé: "Para ficar rico, tudo o que você precisa fazer é ser ministro por 24 horas".

Veja, por exemplo, o ministro dos Recursos Naturais. Seu nome é Manuel de Deus Lima, e todos em São Tomé conhecem sua história: quando ele trabalhava para o banco central do país, ele fez um acordo com uma empresa de Liechtenstein para criação de uma moeda são-tomense comemorativa do milênio. O único problema é que uma parte dos lucros iria diretamente para ele. Lima foi sentenciado a dois anos sob condicional -o que não o impediu de ser nomeado ministro.

Lima estudou na Alemanha Oriental. Ele fala alemão. Quando telefonamos para pedir uma entrevista, ele gritou ao telefone, em alemão: "Petróleo! Petróleo! Petróleo! Todo mundo vem aqui para escrever a respeito, mas ninguém quer nos ajudar a extraí-lo!" Então ele desligou.

Não apenas ministros

Mas os problemas não são puramente domésticos. A história de São Tomé e Príncipe é uma longa história de intervenção estrangeira. Quando os portugueses descobriram as ilhas no século 15, elas eram desabitadas. Navios portugueses compravam escravos africanos aqui com a intenção de enviá-los para as Américas. Os escravos plantavam cana-de-açúcar e posteriormente café e cacau. Não houve grande mudança -por séculos- até uma ditadura em Lisboa ser derrubada por um golpe militar em 1974. Os portugueses concederam rapidamente a independência para suas últimas colônias remanescentes, incluindo São Tomé e Príncipe, onde 100 mil negros africanos e outras pessoas multirraciais repentinamente tinham seu próprio país.

Trinta e três anos depois, a ilha ainda enfrenta dificuldades. Apesar dos US$ 600 milhões em ajuda que o país recebe desde a independência, o padrão de vida continua caindo. Segundo o Banco Mundial, mais de 50% da população é considerada "pobre".

Quando depósitos de petróleo foram detectados nos anos 90, o primeiro empresário a aparecer foi o sul-africano descendente de alemães chamado Christian Hellinger, que ganhou fortuna com os diamantes angolanos. Ao chegar, ele supostamente deu a cada ministro um gerador. Logo ele adquiriu o apelido de "Rei de São Tomé". Ele transferiu sua empresa de transporte aéreo para cá e foi o primeiro a explorar petróleo.

Hellinger trouxe uma empresa para São Tomé que desde então só significa problemas. A pequena empresa nascida na Louisiana e atualmente sediada em Houston, se chama ERHC (Environmental Remediation Holding Corporation). Na época ela era especializada em dar destino aos resíduos da indústria do petróleo e não tinha entendimento nenhum de produção de petróleo. Mas a ERHC convenceu o governo a assinar um contrato em 1997. Por US$ 5 milhões a empresa recebeu direitos exclusivos sobre a comercialização e exploração de todas as reservas de petróleo de São Tomé pelos próximos 25 anos. A organização não-governamental Global Witness posteriormente chamou isto de "um dos acordos mais chocantes de todos os tempos".

O país fez acordos com outras empresas, incluindo a ExxonMobil, mas aparentemente foram igualmente ruins. O presidente Fradique conseguiu renegociar alguns dos acordos, mas a ERHC, agora de propriedade de um nigeriano influente, ainda ganha sua parte das concessões e de novas descobertas de petróleo.

O segundo problema de São Tomé sempre foi sua poderosa vizinha, a Nigéria, que não estava interessada em permitir que a minúscula nação lucrasse com petróleo em seu próprio quintal. A Nigéria contestou a fronteira marítima entre os dois países e forçou São Tomé a aceitar um acordo para formação de uma "Zona Conjunta de Desenvolvimento", no qual 40% da receita da produção de petróleo iria para São Tomé e 60% para a Nigéria.

Quando os dois países leiloaram as primeiras licenças de exploração em 2003 e 2004, as coisas não transcorreram da forma como os são-tomenses esperavam. Grande parte das companhias de petróleo se manteve distante, exceto no caso do mais promissor setor na zona de petróleo, conhecido como Bloco 1, pelo qual um consórcio da Chevron e ExxonMobil conquistou a licença de exploração por US$ 123 milhões. Todavia, foi um dia monumental para São Tomé. Sua parcela de 40%, US$ 49 milhões, quase equivalia ao orçamento anual do país.

Mas a Nigéria reteve o valor, usando seu controle do dinheiro para forçar São Tomé a conceder licenças a certas empresas pequenas na próxima rodada de leilão -empresas de propriedade de empresários nigerianos com laços estreitos com os políticos do país. O procurador-geral de São Tomé posteriormente expôs este esquema.

'O que acontece se não houver petróleo?

A história de São Tomé e seu petróleo é uma de acordos ruins em um país sem entendimento do setor de petróleo. Se alguém sabe disto é Patrice Trovoada, o filho rico do primeiro presidente eleito democraticamente, Miguel Trovoada. Ele esteve envolvido em quase todos os acordos.

Ele se senta na varanda de sua quinta na praia -um homem de 46 anos robusto e com um grande sorriso- e nega qualquer culpa. Ele insiste que tudo o que fez foi tentar salvar o que outros tinham estragado.

Ele foi inicialmente o ministro das Relações Exteriores de Fradique e posteriormente seu consultor de petróleo. Então Fradique o demitiu, se queixando de que os Trovoada estavam tratando o Estado como sua propriedade privada. Patrice se tornou seu rival.

Atualmente ele é o primeiro-ministro do país. "Meu pai e eu escolhemos Fradique como presidente", ele diz. "Mas uma pessoa sempre pode cometer erros. O homem assumiu o governo e começou a falar demais. Blá, blá, blá. Sobre petróleo. Ele falava demais sobre petróleo. E lutou contra todos, contra a Nigéria, dizendo que estavam roubando isto e aquilo, que era um contrato ruim, blá blá blá." Ele ri de forma contida.

Patrice Trovoada é conhecido por dirigir um jipe Hummer com seus guarda-costas. Ele passou grande parte de sua vida fora do país. Ele fala português, a língua oficial de São Tomé, com sotaque; ele se converteu ao Islã. Ninguém sabe a origem de seu dinheiro. Ele é dono de uma empresa de construção em Houston, Texas. Ele disse que foi erroneamente acusado de envolvimento no tráfico de drogas.

Ele não tem Jeffrey Sachs e a Universidade de Colúmbia em grande estima. Ele disse que apesar de apoiar a transparência, ele não vê por que toda a receita do petróleo deve ser depositada em uma conta bloqueada. Talvez fosse melhor manter parte dela em São Tomé.

Trovoada diz que deseja arrumar as coisas em São Tomé, onde os políticos pararam de pensar desde que souberam do petróleo. Eles gastam dinheiro aos montes, ele diz. "O que acontecerá se não houver petróleo? E aí?" Ele sorri, claramente satisfeito consigo mesmo.

Ele também diz que a corrupção faz parte da tradição da ilha e comprar votos faz parte do jogo. Ele faz isso, ele disse, assim como Fradique.

Ainda um modelo?

As primeiras sondagens experimentais foram realmente decepcionantes. A Chevron encontrou petróleo a uma profundidade de cerca de 1.700 metros, mas em quantidades tão pequenas e de qualidade tão ruim que não era "comercialmente viável".

A busca por petróleo nem sempre leva a resultados claros. Dados sísmicos promissores não são garantia da existência de tanto petróleo quanto antecipado. É um pouco como pôquer: você tem uma boa idéia e faz sua aposta, e com sorte pode ganhar. Descobrir novo petróleo se tornou mais difícil. As empresas estão sondando em profundezas cada vez maiores, mas com o aumento do preço do petróleo, a exploração a grandes profundidades passa a valer a pena.

Os chineses estão atualmente explorando no Bloco 2, enquanto os americano exploram o Bloco 3. A Addax, uma empresa suíça-canadense, está convencida de que petróleo pode ser encontrado a ponto de ter comprado direitos de exploração em todos os quatro blocos. Ela adquiriu a participação da Exxon no Bloco 1 no outono de 2007 por pouco menos de US$ 78 milhões. O representante da empresa, um americano chamado Tim Martinson, disse que é importante manter o otimismo neste ramo, e que "alguma produção" certamente se materializará, mas dificilmente antes de 2015.

E Fradique? Ele há muito parou de falar sobre suas metas ambiciosas. Há rumores de que seu relacionamento com a equipe de Jeffrey Sachs esfriou.
Quase ninguém mais acredita que São Tomé será um modelo para o mundo. Joaquin Sacramento, um pescador, se encontra em uma praia na cidade de São João dos Angolares, a duas horas ao sul da capital. Ele está lixando seu barco de madeira, que colocou sobre blocos na praia, sob uma chuva quente. Ele é um homem de 39 anos e pele bem escura, vestindo uma camisa vermelha de time de futebol.

A verdadeira questão em São Tomé gira em torno dele -se pessoas como Sacramento algum dia verão algum benefício do petróleo e se as visões otimistas de Sachs e de sua equipe foram exageradas.

Sacramento não tem respostas. "Nós somos pescadores", ele diz. "Alguém tem que pescar. O petróleo é para os políticos."

Ele sabe sobre o mar -ele conhece seus humores e a melhor hora do dia para pegar certos tipos de peixe. Mas ele sabe muito pouco sobre petróleo. Ele escutou que o mar fica vermelho quando as empresas perfuram e duvida que isto fará algum bem aos peixes.

"O oceano é azul", ele diz. "É com que estão acostumados."

Fonte: Der Spiegel / Mathieu von Rohr - Em São Tomé e PríncipeTradução: George El Khouri Andolfato

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Tibete: investigação sobre uma fotografia manipulada

Com base numa fotografia que nada tem a ver com os recentes acontecimentos no Tibete, pretende manipular a opinião pública. E quando se recorre à mentira são muitas as liberdades que são retiradas.

Michel Collon* - 17.04.08

Olhem com atenção a fotografia “Soldados chineses disfarçam-se de monges.” [ver http://flickr.com/photos/macy_miao/2370855959/in/pool-tibetphot].

Provavelmente já a terão recebido ou irão receber em breve. Tem tido intensa circulação na Net, acompanhada do seguinte comentário: “Londres – 20 de Março – A GCHQ, agência governamental de comunicações que vigia electronicamente metade do mundo a partir do espaço, confirmou a acusação do Dalai Lama, segundo o qual membros do Exército Popular de Libertação chinês, disfarçados de monges, desencadearam os desacatos que resultaram na morte ou ferimento de milhares de tibetanos…”

Pretende-se que esta fotografia prova essa acusação, e por isso tem gerado uma vasta indignação. Dito isto, olhem com atenção a fotografia, e vamos jogar ao jogo de detectar sete erros…

São estes os sete erros:

1-Alguma vez viram uma “imagem de satélite” tirada de um tal ângulo? Fisicamente, é impossível. Desse ângulo não se veria senão um nevoeiro azulado (quando se viaja de avião não pode ver-se senão para baixo, não a grande distância.)

2-Somos informados de que os soldados se disfarçam de monges para intervirem como agentes provocadores. Seriam tão estúpidos que realizassem uma tal operação secreta em plena via pública?

3-Dizem-nos que a fotografia é recente, imediatamente anterior aos acontecimentos denunciados. Que prova existe disso?

4-Pedi a opinião de um amigo que conhece o Tibete. Diz-me que esta fotografia não poderia ter sido tirada a 14 de Março, sob um sol primaveril, uma vez que este ano a primavera apenas se fez sentir no Tibete depois de 21 de Março.

5-Informou-me também que as cores dos táxis-bicicleta de Lassa mudaram depois de 2005.

6-Informou-me também que os uniformes fotografados já não são usados há bastante tempo.

7-Verificado isto tudo, tornou-se necessária uma pequena investigação, que conduziu à descoberta de uma versão bem diferente…

Donde vem então a fotografia?

Na verdade, a fotografia data de 2003. Os monges tinham recusado participar como figurantes na rodagem de um filme. Em vista disso houve a necessidade de recorrer a militares, que são vistos a recolher os seus trajes de figurante, o que parece constituir uma prática corrente naqueles sítios. Em qualquer caso, a cena não tem nada a ver com as recentes imagens na televisão de monges desencadeando a violência e assaltando lojas em Lassa.

O que é certo é que esta outra versão apontava para uma manipulação tão grosseira que se tornava necessária uma confirmação adicional. Pois bem, qualquer um de nós pode encontrar essa confirmação…no próprio site que difunde esta fotografia “acusatória”:http://buddhism.kalachakranet.org/chinese-orchestrating-riots-tibet.htm

A fotografia figura aí com a seguinte legenda: “Esta ‘acção táctica’ não é inédita por parte do governo Chinês, como pode constatar-se na contracapa do relatório de 2003 do Tibetan Centre for Human Rights and Democracy. Esta fotografia parece ter sido tirada quando alguns monges se recusaram a participar num filme, de modo que o seu papel foi desempenhado por soldados vestidos de monge.”

De acordo com um dos nossos contactos, a fotografia terá sido tirada na altura da rodagem de um telefilme (em 25 episódios), em 2003-2004, baseado na obra “Quando assentou a poeira”, um romance de Alai, autor tibetano nascido em 1959 na zona ocidental do Tibete. Este romance recebeu o Prémio de Maodun (um dos mais importantes prémios literários na China) em 2000.

Questionado acerca desta manipulação, o responsável do site respondeu que associara a fotografia ao texto acusatório dos chineses “com a finalidade de mostrar o género de artimanhas que os chineses utilizaram no decurso dos recentes motins”. Fica ao cuidado de cada um avaliar esta deontologia jornalística.

Logo em seguida, todo o género de grupos trataram pura e simplesmente de suprimir o comentário, de modo a fazer crer que a fotografia era recente e de que se tratava de uma provocação do exército chinês. Depois disso, a fotografia deu a volta ao mundo…Quanto a “imagens de satélite”, já existem antecedentes.

1-Não é a primeira vez que pretendem convencer-nos através de imagens de satélite. Em 1990, os EUA afirmaram dispor de imagens (que nunca divulgaram) demonstrando que Saddam Hussein se preparava para invadir a Arábia Saudita. Este truque diabolizante tem desempenhado um importante papel na manipulação da opinião pública. No meu livro Attention, médias! faço a análise desta médiafraude (pag. 21).

2-Em 2003 os EUA difundiram imagens de satélite que “provavam” que o Iraque dispunha de armas de destruição massiça.

3-Recentemente, reincidiram, agora contra o Irão (silenciando o facto de que Israel dispõe de 200 armas nucleares ilegais.

Pode uma imagem mentir?

É altura de lembrar que pode mentir-se com imagens. Já para não falar das técnicas gráficas hoje disponíveis, grandes cineastas, como Chris Marker, demonstraram de forma brilhante que é possível fazer seja o que for a uma imagem e fazer com que ela permaneça credível. Efectivamente, uma imagem, por si própria, não nos informa:

1-De quando e em que lugar foi tirada.

2-O que é que mostra realmente.

3-O que é que oculta (ao lado, antes, depois…)

Todos nós já nos deixámos enganar em alguma ocasião por imagens destas. É certo que cabe a cada um formar a sua opinião acerca do Tibete, procurando verificar ambas as versões, procurando estudar os interesses em jogo de ambos os lados. Mas, em qualquer caso, todos temos direito a uma informação não manipulada. Por isso, sugiro às pessoas que têm difundido esta imagem que difundam também esta rectificação.

*Escritor e professor de jornalismo

Tradução Pedro Silva

Retirado de o diario

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Uma vitória histórica no Nepal

Não é pouca coisa o que aconteceu no Nepal. São anos de luta guerrilheira, de sacrifícios e resistências no campo de batalha, de milhares de trabalhadores, camponeses e camponesas massacrados pelas bombas e pelas balas de uma da piores ditaduras monárquicas da região, que agora revertem numa vitória popular impecável.

"Estamos surpreendidos", dizem os adoradores do "terrorismo mediático"; "estamos consternados", sustentam em Washington aqueles que bebem no discurso ingerencista de George W. Bush, porque não podem entender como aconteceu aquilo que para eles é uma hecatombe. Maoismo nestas épocas?, sussurrou, preocupado, a um jornalista o genocida espanhol Javier Solanas. A resposta foi-lhe dada nas ruas pelos e pelas nepalenses que com uma tenacidade e uma consciência blindada não só combateram na guerrilha como também – recordemo-lo – desafiaram a polícia e o exército do rei Gyanendra, e foram encarcerados, golpeados, torturados e até desaparecidos devido à sua rebeldia, mas nunca cessaram de combater.

Assim, durante anos, na selva e nas montanhas, como guerreiros e guerreiras, e a seguir em imponentes manifestações que a partir de 2005 inundaram as ruas de Kamandú e outros centros urbanos do país, exigindo a abdicação do monarca, foi-se gestando a vitória do presente.

Por isso, não se trata de nenhuma surpresa. Surpreendidos podem estar os cúmplices internacionais daqueles que afundaram o Nepal não acreditavam naquilo que há muito tempo era anunciado nos muros das ruas do Nepal: "A monarquia cairá e governará o povo dirigido pelo camarada Prachanda". Agora que chegou o momento, são os mesmos "observadores" europeus e ianques que têm de dar a "ingrata notícia" às suas diferentes metrópoles. Para eles, começa um pesadelo que não fora pensado. Para o povo do Nepal, abre-se um caminho de esperança e construção do poder popular.

Cabe assinalar que o Nepal é um pequeno país situado entre a região chinesa do também convulsionado Tibete e o norte da Índia, com uma superfície total de 140 mil quilómetros quadrados. Ali vivem aproximadamente 24 milhões de habitantes, a maioria deles em zonas rurais e em condições de extrema pobreza.

O actual Estado nepalês, criado há dois séculos e comandado por um punhado de feudais moribundos, adoradores do capitalismo, foi acossado por muitas contradições irreconciliáveis. Todos os esforços reformistas para remendar a superestrutura político-cultural, assim como a base económica, não puderam conter o deslizamento gradual para o seu colapso total, e dessa cinzas surgiram os fogos actuais.

O Nepal agora é o segundo país mais pobre do mundo. Como bem afirmou o PCN(M) em um dos seus apelos ao povo para que se rebelasse nas urnas: "A desigualdade económica, na qual 10% dos ricos é dona de 46,5% do rendimento nacional, é uma das piores do planeta; 71% da população vive abaixo do nível de pobreza absoluta; 90% da população vive no campo em condições primitivas e 81% trabalha em agricultura primitiva; só 10% da população tem trabalho e 60% está subempregada; quase um terço da força laboral viu-se obrigada a ir trabalhar na Índia e em outros países onde os salários miseráveis ou incorporaram-se às forças armadas mercenárias da Índia e da Inglaterra; o domínio imperialista e de potências expansionistas em todas as esferas está a aprofundar-se e mais de dois terços do orçamento para o desenvolvimento depende de empréstimos estrangeiros".

O contraste com esta situação de vida paupérrima é dado, no Nepal, pela sua belíssima geografia onde se situam os montes Himalaias e o monumental pico do Everest, tão visitado por excursões planificadas por sectores da alta burguesia europeia e não poucos aventureiros juvenis que com as suas mochilas costumam chegar à maravilhosa Kamandú.

Da luta armada ao triunfo nas urnas

Não são poucas as organizações político-militares que tentaram percorrer o caminho que hoje pem estar a atingir os partidários do maoismo nepalense. Contudo, quase todos os esforços nesse sentido culminaram em negociações entre o poder que tentavam derrubar e as forças insurgentes. Aquilo que marca a diferença neste caso é que enquanto em outras experiências as guerrilhas encontraram-se frente à impossibilidade de obter uma vitória militar, neste caso o poderoso exército popular construído durante anos pelo PCN(M) e sua influência indiscutível entre o povo pobre (ali está a recordação das grandes greves contra a monarquia) foi forjando uma realidade de ferro que nem sequer a pressão internacional a favor da realeza pôde desconhecer.

Vejamos então quem são os vencedores deste presente nepalense e de que rincões da história recente do país provem este reconhecimento concedido pelo povo nas urnas.

O Partido Comunista do Nepal (Maoista) foi fundado em 1949, mas só em 1994 verificou-se o seu relançamento como organização político-militar maoista liderada por Pushpa Kamal Dahal (mais conhecido como Camarada Prachanda). Foi formado após uma cisão do Partido Comunista do Nepal (Centro de Unidade), cuja denominação utilizou até 13 de Fevereiro de 1996, quando seus seguidores decidiram levantar-se em armas contra o governo monárquico. Nesse dia, por todo o território nepalense, ouviu-se o grito de batalha que começou a guerra popular prolongada: "A rebelião justifica-se".

Nesse momento o Partido estabeleceu inequivocamente, no denominado "Plano do início histórico da guerra popular", que esta guerra popular propunha-se construir um Estado de Nova Democracia, para a seguir "marchar ao socialismo e finalmente ao comunismo, passando por uma série de revoluções culturais sob a ditadura do proletariado, e portanto é parte integral e um componente da revolução proletária mundial". Como manifestou o líder do PCN(M) num documento de 1996, "esta luta seguirá as leis objectivas do desenvolvimento da guerra popular por meio das suas diferentes etapas estratégicas e voltas e revoltas, sem nunca se deter até que consiga sua meta final: a sociedade sem classes, o comunismo universal que tão brilhantemente enunciou Mao na sua teoria de continuar a revolução sob a ditadura do proletariado. Portanto, muitos mais dos nossos irmãos e irmãs de classe terão que fazer o supremo sacrifício e dar a vida para que continuem a arder as chamas da revolução até que todo rastro da sociedade classista fique em cinzas e alcancemos o comunismo porque, como disse Mao: ou todos entramos no comunismo ou ninguém entra".

Antes de converter-se em partido político e em opção eleitoral vitoriosa, a guerrilha maoista dominava 80% do país, estabelecendo governo locais e regionais em vários distrito. Após um ano de pequenas escaramuças, conseguiram assentar na parte central do país junto às terras baixas do Himalaia (a leste e oeste de Katmandú). Os guerrilheiros foram criando organizações nacionais de apoio entre as minorias de Magar, Gurung, Tamang, Newar, Tharu, Rai, Limbu e Madhise, assim entre os nepalenses, formando uma frente ampla chamada Samyukta Jana Morcha (SJM) ou Frente Popular Unida (Maoísta), cujo presidente era Baburam Bhattarai.

Os que apoiam os maoistas argumentavam que libertaram a população do tirânico sistema de castas, dando igualdade de direitos às mulheres (tanto na luta guerrilheira como nas frentes de massas elas desempenharam um papel destacadíssimo), e que enfrentavam uma monarquia opressora e autoritária, agora finalmente derrotada.

Uma estratégia de guerra popular

O PCN(M) aderia à estratégia maoista de guerrilhas e guerra popular, pela qual tomaria o controle gradual do campo até cercar as cidades, lutando contra as forças governamentais só quando superassem em número significativamente o inimigo. Em 2001 o exército nepalense começou uma campanha militar contra os rebeldes maoistas, especialmente nas áreas ocidentais do país, com intermintentes altos de fogo.

O Departamento de Estados dos Estados Unidos incluiu este partido na sua lista de organizações terroristas (algo que ainda está em vigor) e enviou centenas de milhões de dólares de ajuda ao governo do Nepal a fim de combate-los.

Quando em 2005 o rei Gyanendra tomou o poder absoluto, em Abril de 2006 o partido convocou uma greve geral indefinida, juntamente com outros sete partidos opositores, o que levou o rei a anunciar que restabelecia o Parlamento. Ainda que os outros partidos tivessem acabado as mobilizações e nomeado um candidato a primeiro-ministro, o Partido Comunista do Nepal (Maoista) recusou a decisão do rei, pela boca do mesmo Prachanda, por considerá-la uma conspiração para permitir que continuasse no poder.

Prachanda também acusou a aliança opositora de não cumprir o acordo de doze pontos que firmaram e de haver traído as aspirações do povo nepalense. Além disso, anunciou que continuariam a bloquear Katmandú até que se cumprissem suas exigências, mas a 26 de Abril de 2006 levantaram o bloqueio das estrada com a exigência de que os partidos políticos iniciassem a criação de uma assembleia constituinte na sua reunião seguinte.

Em Maio do mesmo ano foram retiradas as acusações de terrorismo aos membros do PCN(M) e transmitiu-se à Interpol a petição de anulação das ordens de prisão internacional contra os membros do Partido. Finalmente, em Dezembro de 2007 o parlamento aboliu a monarquia por ampla maioria e decidiu a reforma da constituição e integração dos maoistas no exército.

Este partido faz parte do Movimento Internacionalista Maoista e do Comité de Coordenação dos Partidos e Organizações Maoistas do Sul da Ásia.

Agora, contra ventos e tempestades, e no âmbito de um aluvião de observadores europeus (como Mr. James Carter), os maoistas levantaram-se com um triunfo indiscutível. Vitória que tem muito a ver com a tenacidade de uma luta guerrilheira de anos e a convicção de que as ideias do PCN(M) estão profundamente enraizadas na população do Nepal, que sofreu nas suas costas uma cruel ditadura monárquica amparada pelos EUA e os países europeus.

O triunfo anti-monárquico no Nepal abre, sem dúvida alguma, perspectivas mais que estimulantes em outros países que ainda sofrem governos monárquicos na Europa, Ásia e África. São também uma chamada de atenção para aqueles que tentam reiteradamente desalentar os que lutam com as armas nas mãos (quando se fecham todos os caminhos pacíficos) contra os opressores dos seus povos. Sem essa actividade insurgente, constante e prolongada, teria sido impossível alcançar a vitória que os nepaleses hoje festejam nas ruas.

14/Abril/2008

O original encontra-se em http://www.resumenlatinoamericano.org/, nº 1025
Este artigo foi retirado de http://resistir.info/ .

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Exemplos de manipulação informativa sobre o Tibete

(Clicar nas imagens para ampliar)
Os recentes disturbios no Tibete tem ocupado centenas de horas nos meios audiovisuais de todo o mundo. A quase totalidade das informações parece escrita por um único guionista. Longe de aprofundar a informação, a mensagem tem sido completamente manipulada: as vítimas, os bons, são os monges tibetanos e os chineses são os maus.
Em baixo apresentam-se uma série de imagens e vídeos que foram manipulados pela imprensa ocidental. As imagens que nos mostram os diferentes meios são de revoltas de monges budistas no Nepal e na Índia que são apresentadas como sendo no Tibete e mesmo as que são no Tibete são objecto de manipulação

À esquerda em cima, temos a página do diário alemão Bild na Internet, nela aparece um monge ferido e apela-se ao boicote contra os jogos Olímpicos, à direita encontra-se a fotografia original, onde se pode verificar claramente que se trata de uma fotografia tirada no Nepal como se pode ler no escudo do policia. Na página seguinte (em baixo), o mesmo diário digital apela de novo ao boicote com imagens tiradas igualmente no Nepal, os militares têm o mesmo uniforme que na fotografia anterior.
A imagem seguinte captada na página Internet da conhecida CNN, tirada no Tibete, foi cuidadosamente recortada para que não apreçam os manifestantes apedrejando uns camiões, provavelmente civis, pois não aparecem blindados nem escolta armada.

Outro conhecido meio de comunicação e com aura de credibilidade é o Washington Post, também ele manipulou as notícias sobre o Tibete. Na imagem seguinte, tirada da página deste jornal de novo se ilustra a notícia com uma imagem tirada em Katmandu, capital do Nepal, embora em rodapé se afirme que a imagem se situa em Lhasa, capital do Tibete.

A ultra-conservadora Fox não podia ficar atrás. Na imagem seguinte acusa-se os polícias chineses de deter manifestantes tibetanos. Qualquer um pode reconhecer que se tratam de polícias indianos, basta atentar no seu aspecto físico.

A prestigiosa BBC também manipulou na sua página web. Na imagem seguinte, a noticia é ilustrada com uma fotografia de uma ambulância e enfermeiros. No entanto em rodapé afirma-se o seguinte: ”Esta é uma mostra da forte presença militar em Lhasa”.

A rádio France Internacional junta-se à onda de desinformação quando titula a noticia em baixo: “Pequim aumenta a pressão”, a seu lado insere uma foto já familiar da policia nepalesa.

Durante uma entrevista com o embaixador chinês no Canadá, a Televisão canadiana CTV insere um vídeo onde aparece, novamente, a policia nepalesa, tentando demonstrar que o embaixador está a mentir.
As televisões alemãs N24 e RTL também emitiram nos seus vídeos informativos, tomados no Nepal, enganando os seus espectadores. Como se pode ver os policias vestem uniformes da policia nepalesa.



Estes exemplos que se mostram, são uma ínfima parte da adulteração informativa do caso do Tibete, que corre por todo o mundo na imprensa conservadora.
A China não é propriamente o melhor exemplo de pais socialista, no entanto desenvolvem um caminho próprio que tem correspondido ao que se propuseram, que era desenvolver económicamente o país, o passo seguinte, segundo eles, é melhorar a vida do povo e isso está a acontecer.
Toda esta campanha orquestrada contra este estado e os Jogos Olímpicos, não se deve à preocupação com os direitos humanos dos tibetanos, mas de certeza que têm outros motivos mais ligados a geoestratégias de algumas potencias, nomeadamente os EUA.

É que parece que o que têm para oferecer ao povo tibetano, é só o retorno a um feudalismo teocrático. e ao povo chinês, não é a melhoria da vida do seu povo, antes a continuação da humilhação a que até metade do século passado, submeteram o seu povo.
Tradução do texto de Carlos Martínez
no Rebelión

Provocação no Tibete

A excelente campanha de propaganda que desde há alguns anos, fez do Dalai Lama um homem bondoso, pacifico, amante da democracia e da liberdade no Tibete, conseguiu convencer muitas consciências. Na realidade, Tenzin Gyatso, como se chama o 14º Dalai Lama, é o ultimo chefe espiritual de uma seita lamaísta que, depois da revolução chinesa de 1949, viu chegado ao fim os seus privilégios. O Tibete anterior a 1949 era um território onde a maioria dos seus habitantes eram servos, escravos, que podiam ser vendidos, e onde a propriedade e a riqueza estavam concentrados nas mãos da nobreza feudal e dos monges dos mosteiros. As transformações politicas que chegaram com a revolução mudaram por completo este cenário, e, já em 1956 o Dalai Lama encabeçou uma rebelião contra o governo revolucionário chinês, armados e ajudados financeiramente pela CIA, insurreição essa que foi derrotada pelo Exército Popular chinês em 1959. As vítimas de esta guerra civil foram cerca de dez mil e não um milhar, como mantém o Dalai Lama.

Nunca houve uma “invasão chinesa” do Tibete, como repete o fantasmagórico “governo no exílio”, entre outras razões porque o planalto tibetano já era território chinês séculos antes da existência de muitos países europeus. O Dalai Lama encabeçava um regime tão bondoso que tinha estipulado penas para delitos que consistiam inclusive em arrancar olhos aos condenados, cortar os pés ou as mãos, entre outros castigos semelhantes. Aquele regime pôde manter-se pelo isolamento do Tibete, pela decadência da China e por acção de potências imperiais como a Grã-bretanha, que chegou a ocupar Lhasa em 1904.

Desde a sua derrota em 1959, o Dalai Lama estabeleceu-se no norte da Índia, “descobrindo” a bondade da democracia, passando a ser um peão estratégico dos interesses de Washington, que o financiou e ajudou diplomaticamente neste último meio século. Durante os anos sessenta, os Estados Unidos organizaram e treinaram em técnicas de guerrilha e de sabotagem, inclusive em território norte-americano (Colorado), grupos de tibetanos, até ao inicio dos anos setenta, esses grupos, os Khampas, que chegaram a ter quase dez mil homens, lançaram regularmente ataques armados no interior da China a partir das bases que tinham no Nepal, ao mesmo tempo, operações secretas da aviação norte-americana abastecia de armas e explosivos estes grupos.

A derrota da insurreição de 1959, unida ao nacionalismo e à irredutibilidade politica de raízes religiosas dos monges, foi utilizada em distintas ocasiões para organizar campanhas de ataque e de descrédito da China. A última em meados de Março. Contrariamente às informações da imprensa conservadora internacional, os protestos e a “revolta” no Tibete, começaram nos mosteiros tibetanos de Drepung, Ganden e Será. Os participantes nos protestos colocaram Lhasa num caos, incendiaram edifícios como a companhia de electricidade, deixando sem luz a cidade, organizaram um verdadeiro pogrom racista contra chineses Han e comerciantes da minoria muçulmana, o que causou vitimas mortais, que depois a imprensa internacional acusou o governo chinês da responsabilidade dos mortos.

Contrariamente a informações que foram difundidas, a policia foi incapaz de controlar o estalar da violência, ao ponto de mais de duzentos polícias resultarem feridos, junto a quatrocentos feridos civis. Mais de quatrocentos comércios foram saqueados e incendiados, o mesmo ocorreu com sete escolas e seis hospitais, assim como a dezenas de veículos.

O momento em que estes acontecimentos se deram estavam perfeitamente calculados e determinados, a proximidade dos jogos Olímpicos amplifica o efeito deste novo foco de tensão com a China. A política calculista norte-americana de pressão sobre a China (o único país que no séc. XXI pode ser um rival estratégico de Washington) vai utilizar outras cartas para atacar a China: Tibete e o Dalai Lama, mas também os grupos islamistas da região chinesa Xinjiang, que recebem obscuros apoios, assim como a criação de uma crise com Taiwan e inclusive a reactivação da crise nuclear na península coreana. Os acontecimentos de Lhasa, não foram uma revolta de um povo oprimido, mas sim uma provocação bem calculada, de que o Dalai Lama e Washington conhecem todos os detalhes.

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