segunda-feira, 31 de março de 2008

Discurso do Ministro Brasileiro da Educação nos EUA...

Este discurso merece ser lido, afinal não é todos os dias que um brasileiro dá um 'baile' educadíssimo aos Americanos...

Transcrição do Brasileiro - Original

Durante um debate numa universidade dos Estados Unidos o actual Ministro da Educação CRISTOVAM BUARQUE foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia (ideia que surge com alguma insistência nalguns sectores da sociedade americana e que muito incomoda os brasileiros). Um jovem americano fez a pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um Brasileiro. Esta foi a resposta de Cristovam Buarque :

”De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro... O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país.

Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França.

Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar esse património cultural, como o património natural Amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Não faz muito tempo, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA.

Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida.

Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro.

Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa.

Só nossa!”

domingo, 30 de março de 2008

Sobre o 14º Dalai Lama

Quem é o ''pacifista'' dalai-lama?

“Incensado pelo ocidente como uma figura impoluta, lutadora da paz e da não-violência, o dalai-lama, ou Tenzin Gyatso, está longe de merecer o epíteto de pacifista que os media ocidentais lhe aplicaram nos últimos 50 anos. Aliado há longa data do regime americano, e recentemente de Bush, o dalai-lama não é parte integrante das lutas dos povos pela democracia e a paz mundial”
Humberto Alencar - 29.03.08

Dalai-lama: separatismo e submissão

Exilado em Dharamsala, na Índia, onde está à testa de uma comunidade de 120 mil tibetanos, o 14.º dalai-lama é apresentado desde 1959 pelos meios de comunicação como ''um dos maiores defensores da paz no mundo'' e ''líder espiritual''. Seus gestos desmentem esses epítetos.

Em 2003 o ''líder espiritual'' budista passou 18 dias nos Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente do país, George W. Bush, e o então secretário de Estado, Colin Powell. Os EUA tinham recentemente estabelecido o Tibetan Policy Act, uma lei que regularizava a ajuda aos separatistas, em 2002.

O que disse e fez por lá revela que o homem que ostenta o título de Prêmio Nobel da Paz, obtido em 1989, age de forma diametralmente oposta ao discurso que mantém.

A Casa Branca não divulgou o teor das conversas, mas a julgar pelas declarações posteriores do dalai-lama, um dos resultados da visita foi sua incorporação à política de guerras preventivas, aspecto central da estratégia agressiva do imperialismo norte-americano na atualidade.

''É muito cedo para dizer se a guerra no Iraque foi um erro'', afirmou, para acrescentar em seguida sua convicção de que é necessário ''reprimir o terrorismo'', sem explicar o que queria dizer com ''reprimir''.

Participação no poder chinês

Em 1954, o décimo quarto Dalai-Lama participou da primeira Assembléia Nacional Popular da China, que elaborou a Constituição da República Popular, tendo sido eleito como um dos vice-presidentes do Comitê Permanente dessa Assembléia.

Na ocasião, pronunciou um discurso afirmando: ''Os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião do Tibete, foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas''.

Em 1956, o dalai-lama assumiu a presidência do comitê provisório encarregado de organizar a região autônoma do Tibete. As relações entre os governos central e local estavam, portanto, normalizadas.

O conflito ressurgiu quando se cogitou em promover a reforma democrática do Tibete, separando a religião do Estado, abolindo a servidão rural e a escravidão doméstica e redistribuindo a propriedade das terras e dos rebanhos, monopolizada pela aristocracia civil e pelos mosteiros.

Após o exílio, o dalai-lama, cercado pelas forças anti-chinesas e separatistas tibetanos, traiu completamente a sua posição patriótica original. A facção pró-ocidental, aproveitando-se da insatisfação entre lamas e nobres, retomou a ofensiva.

Agitando as bandeiras separatista e religiosa, e apoiada pela CIA cada vez mais desinibidamente, como hoje se reconhece, essa facção fundou uma organização política, a ''Quatro Rios e Seis Montanhas'', e uma organização militar, o ''Exército de Defesa da Religião'', e iniciou em 1956 ataques armados a funcionários e prédios públicos, a obras de infra-estrutura e até mesmo a tibetanos que apoiassem o movimento democratizador.

Como reencarnar estando ainda vivo?

Traindo seus princípios religiosos, em novembro passado, o dalai-lama propôs que, em vez de esperar que os sábios religiosos encontrassem a próxima encarnação após sua morte, ele escolhesse sua própria encarnação. Geralmente, depois da morte do dalai-lama, autoridades budistas tibetanas, orientadas por sonhos e sinais, identificam uma criança que vai substituir o líder morto.

Para impor seu método e estabelecer uma linha sucessória segura para os separatistas, o dalai-lama propôs então um ''referendo'' entre os budistas tibetanos sobre mudar ou não o atual processo de reencarnação de modo que ele pudesse ter influência na escolha de seu sucessor. A idéia não foi bem recebidas pelos budistas, porque contraria a lógica religiosa: como encontrar a alma de alguém em outro corpo, se você ainda não desencarnou?

Anti-desenvolvimento

O governo central da China inaugurou em 2006 a maior ferrovia do mundo, ligando o Tibete ao resto do país. A ferrovia custou 4,1 milhões de dólares e atravessa o platô tibetano para ligar Lhasa aos centros econômicos da China.

A ferrovia é uma ferramenta vital para a economia tibetana, a mais pobre da China, mas o dalai-lama e os separatistas consideram a estrada de ferro uma ''ameaça''. Alegam que a ferrovia trouxe ''novos ocupantes'' e é um meio de ''roubar'' as riquezas naturais do Tibete.

Desde 1985, o Tibete é uma ''zona de turismo livre'', substituindo o '' turismo acompanhado'' que vigorava até então, a ferrovia veio apenas aumentar o desenvolvimento econômico local.

Esta semana, Tenzin Gyatso lançou pela mídia um apelo vazio para que a ''comunidade internacional'' investigasse o que chamou de ''genocídio cultural'' no Tibete, após a violência perpetrada nas ruas de Lhasa por monges e seus seguidores.

O ouro de Washington

De acordo com o historiador americano Jim Mann, citado pelo site Global Research, ''durante os anos 1950 e 1960, a CIA apoiou ativamente a causa tibetana com armas, treinamento militar, dinheiro, apoio aéreo e todo o tipo de auxílio''. Além de Mann, outro estudioso das ações da CIA na Ásia, Michael Parenti, fez recentemente a seguinte observação:

''...nos Estados Unidos, a Sociedade Americana Por uma Ásia Livre, uma fachada da CIA, propagandeou ferozmente a causa da resistência tibetana, com o irmão mais novo do dalai-lama, Thubtan Norbu, tendo um papel ativo nessa organização. Outro irmão, também mais novo, do dalai-lama, Gyalo Thondup, estabeleceu uma célula de operação de ''inteligência'' com a CIA em 1951 (embora o apoio oficial da agência tenha sido estabelecido somente em 1956). Mais tarde, essa célula foi treinada e transformada em uma unidade de guerrilha da CIA, tendo seus recrutas sendo lançados por pára-quedas no Tibete''.

De acordo com documentos abertos pela inteligência americana no fim da década de 1990, revelou-se que o movimento tibetano no exílio recebeu cerca de 1,7 milhão de dólares por ano, na década de 1960, para operações contra a China, enquanto 180 mil dólares anuais eram pagos regiamente ao dalai-lama.

Em 1969, entretanto, o apoio secreto pela causa tibetana foi interpretado pela CIA como infrutífero, e a agência de espionagem decidiu retirar a ajuda aos ''revolucionários'' tibetanos.

No entanto, a ajuda monetária anual ao ''pacifista'' dalai-lama perdurou até 1974, quando Nixon normalizou as relações com a China. O presidente que lhe sucedeu, Gerald Ford, encerrou o envolvimento da administração americana com os exilados tibetanos, em um novo contexto da estratégia americana para a Guerra Fria.

A fase seguinte do relacionamento entre Estados Unidos e o dalai-lama e os seus apoiadores foi direcionar a opinião pública mundial a considerar o Tibete como uma questão de direitos humanos, em um engajamento político contra a China.

Em 1979 a relação entre regime americano e dalai-lama sofre uma nova modificação, com o ''pacifista'' obtendo um visto de entrada nos EUA sob a administração Carter. A ''causa tibetana'' encontra então novos patrocinadores, com representantes do congresso americano trabalhando em conjunto com os separatistas tibetanos para enfocar a atenção dos governos seguintes e do resto do mundo na ''questão tibetana''.

Nos dias de hoje, a ajuda financeira e política aos exilados tibetanos parte de um poderoso braço da CIA, a National Endowment for Democracy, organismo criado a partir de 1984, sob a administração Reagan, e que patrocina e subsidia movimentos pró-americanos ao redor do planeta, como os que recentemente derrubaram os governos da ex-Iugoslávia em 2002, Geórgia em 2004 e Ucrânia em 2005.

O trabalho da NED, desde a década de 1990, é propalar os discursos e ações ''pacifistas'' do dalai-lama ao redor do planeta.

Original publicado em http://www.vermelho.org.br/base.asp

quarta-feira, 26 de março de 2008

História, interesses e verdades sobre o tibet

por Elias Jabbour*

A “mão invisível do mercado” ou algum “hedge fund” teria condições de alçar o progresso social e material de uma localidade como o Tibet, longe da soberania chinesa? Algum monge profeta de uma futura “independência do Tibet” ou qualquer intelectual orgânico do status quo reinante ou algum (a) jornalista brasileiro correspondente na China aceitariam enfrentar este debate? Alguma consideração fora das palavras de ordem ditadas em algum “instituto de estudos chineses” ou em redações dos jornalões do imperialismo, ambos localizados no centro do sistema?
Como geógrafo e pesquisador ocupado há quase 15 anos com a temática chinesa, já tive acesso a diversos mapas da China produzidos na Europa ou nos EUA antes de 1949. Em todos eles o Tibet é contemplado como parte da China. O que será que ocorreu de 60 anos para cá? Muita coisa mudou, interesses estão em jogo, inclusive a China não é o mesmo país da década de 1940. Muito pelo contrário.


Questões que devem ser respondidas

Antes de qualquer coisa, acredito ser interessante a resposta a algumas perguntas políticas, pois a descaracterização do Tibet como parte inalienável do território só pode guardar conotação política: você advogaria em favor da legalização de uma sanguinária “teocracia escravista” aliada ao imperialismo que ao bem do povo Tibetano foi desmantelada e desarmada em 1951 com a retomada da soberania chinesa sobre o Tibet? O mais ferrenho anticomunismo justifica tal defesa? Ou tal defesa só é justificável, justamente por uma postura de classe reacionária e na contramão da ampliação dos mínimos direitos humanos, a começar pelo direito à vida? Resumindo, a quem interessa a divisão de países como a Iugoslávia, a ex-URSS e da China?

Vamos nos render às imagens de monges revoltados alimentados ideologicamente por um multimilionário financiado pela CIA (Dalai Lama: alguém já procurou saber quem financia os milhares de exemplares de suas receitas espalhadas por livrarias do mundo inteiro?) ou nos deteremos à verdade historicamente construída e concebida, para quem o Tibet é parte da China há mais de sete séculos? Trata-se de um conflito entre um povo nacionalmente oprimido ou entre duas coalizações sociais e entre interesses internacionais distintos? Ou é legítimo o projeto de Dalai Lama de construção de um “Grande Tibet” incluindo territórios hoje pertencentes a China, a Índia e ao Nepal? (1)

Bom, a bem da sensatez e da verdade histórica, refletir sobre tais questões.
Oposição histórica ao governo central


Confesso que não fui assaltado por grandes surpresas ante os acontecimentos da semana passada em Lhasa, capital do Tibet. Grande parte dos monges residentes no Tibet nada tem de contrário à soberania chinesa sobre a região. Outra parte, mais radicalizada e afeita à liderança de Dalai Lama sempre esteve disposta a enfrentar o governo chinês. Estiveram à frente da grande revolta que se degenerou em grandes conflitos entre os anos de 1959 (ano em que Dalai Lama exilou-se na Índia) e 1961, inclusive com a participação de guerrilheiros Tibetanos treinados no estado norte-americano do Colorado e lançados de pára-quedas em território chinês, juntamente com armas e aparelhos de retransmissão (2).

Naquele momento, as revoltas contra o governo central iniciaram-se em 1956, quando o governo, após reorganizar o mapa do país e transformar o Tibet e outras regiões de minorias étnicas em “regiões autônomas”, partiu para a radicalização de reformas como a agrária e do direito; reformas encetadas justamente contra as bases econômica e política da então classe dominante Tibetana (3). Aliás, os atuais distúrbios têm como objetivo lembrar o início das revoltas de monges Tibetanos contra as reformas democráticas, em 1959.

Abrindo parêntese, Duarte Pereira nos alerta quem em 1956, o atual Dalai Lama – ao discorrer acerca da concentração de renda na região – em sua autobiografia chama atenção ao fato de que no Tibet, o governo local detinha e administrava diretamente 38,9% das terras da região, os mosteiros 36,8%, os aristocratas leigos, 24% e os camponeses 0,3% restantes (4). Foi contra esse estado de concentração econômica e política que as reformas democráticas encampadas pelo governo central, na segunda metade da década de 1950, se dirigiam; com a oposição das mesmas camadas sociais que foram às ruas de Lhasa na semana passada.

Dalai Lama condecorado por Bush

Retornando, exemplo semelhante reside nos acontecimentos de abril de 1989 também em Lhasa – e alguns meses antes dos lamentáveis ocorridos em Tiananmen –, quando o atual residente chinês, Hu Jintao, então governador da região autônoma, impôs a lei marcial como resposta ao levante. Em 1989, mesmo defendendo o direito da Índia de dispor de bombas nucleares, ironicamente, Dalai Lama, foi condecorado com o Prêmio Nobel da Paz. Além de uma ofensa a qualquer mente pensante deste mundo, tratou-se de uma verdadeira condecoração política circundada pela débâcle do sistema socialista europeu e soviético.

Assim sendo, sem medo de ser superficial ou leviano, os interesses saídos do porão por parte dos monges rebeldes da semana passada em nada difere dos interesses defendidos por eles mesmos em meio a distúrbios provocados na posteridade imediata da reocupação chinesa sobre a região no início da década de 1950. Existem, portanto, dois grandes interesses internos ao Tibet em jogo que se entrelaçam por uma questão de maior envergadura residente na luta do imperialismo contra a unidade nacional da última política fronteira a ser aberta pós-1990. Não é nenhuma fantasia as elucubrações da extrema-direita norte-americana da necessidade de se levar adiante a fragmentação da China em sete países. Além disso, é intolerável a existência de um partido comunista no poder num país com a importância e crescente influência da China. Eis o “x” da questão.

Neste sentido é muito significativo o fato de George Bush, em setembro de 2007, ter sido o primeiro presidente norte-americano na atribuição de suas funções a receber Dalai Lama na Casa Branca. Não somente isso, em seguida o acompanhou e entrou de mãos dadas com o mesmo no Congresso para a entrega – ao Dalai Lama – da Medalha de Ouro do Congresso dos Estados Unidos, maior honraria civil do país. Diga-se de passagem, maior honraria civil outorgada ao herdeiro de uma das formas mais brutais e cruéis de governo da história da humanidade. Sob este prisma, interessante é a lembrança feita por Domenico Losurdo (em “Fuga da história?”) de opinião emitida nada mais, nada menos que no “Livro Negro do Comunismo”, para quem em sua página de número 509 pode ser encontrada a seguinte observação: “uma elementar análise histórica é suficiente para destruir o mito unânime alimentado pelos partidários do Dalai Lama”. Pelo andar da carruagem, atualmente, não existe nenhum interesse nesta desconstrução.

Voltando, dois elementos devem vir à tona hoje: 1) O Tibet é a região chinesa com índices de desenvolvimento humano e econômico com maior expansão nos últimos cinco anos e acompanhado por um aumento substancial na influência local tibetana sob os assuntos da região e 2) Existe um esgarçamento imperialista internacional sobre os dois principais elos-débeis do sistema, a América Latina (vide Plano Colômbia e a ofensiva contra a política de integração sul-americana) e a própria Ásia (recente aliança militar EUA-Japão, retomada de vendas de armas a Taiwan, mobilização de intelectuais europeus e norte-americanos pelo boicote aos jogos olímpicos de Pequim etc.).

Soberania historicamente irrefutável

A unidade e a formação territorial chinesa, fruto dos intercâmbios econômicos, políticos e culturais entre a etnia majoritária han e as demais nacionalidades que hoje compõem a plêiade d o conjunto da nação chinesa. A China nunca tivera uma vocação expansionista, sendo que a absorção de territórios e culturas foi um processo marcado por três características: 1) longo tempo histórico entre o contato inicial entre diferentes povos (han com mongóis, Tibetanos, uigures) e a incorporação territorial em si, 2) as mediações e processos que possibilitaram a incorporação de novos povos ao Império Chinês sempre fora marcadas por tratados comerciais e de proteção militar e 3) a anexação de novos territórios somente ocorreu em momentos em que a China fora governada por dinastias estrangeiras (mongol e manchu).

O reino tibetano do Tubo foi formado no século 7 d. C., momento aquele em que dois descendentes e soberanos casaram-se com princesas Han, firmaram acordos de variados tipos com o Império Chinês e aceleraram o intercâmbio cultural e econômico entre as duas nacionalidades (5). Prova disso são os telhados das construções existentes no Palácio de Verão em Pequim, onde o tom amarelo dos telhados lembram os dos mosteiros visitados com freqüência por representantes do Império Chinês ao Tibet. Passaram-se cerca de seis séculos entre a formação do reino do Tubo e a incorporação do Tibet ao território chinês pela dinastia mongol (yuan); revoltas de fanáticos religiosos como as de hoje levaram a morte o rei do Tubo no século 9 d. C., fora seguida por quase 400 anos de guerras entre mosteiros e principados.

Anotações de Marco Pólo datados da época de sua visita à corte de Kublai Khan (imperador mongol da China) dão conta do Tibet ser uma das 12 províncias que formavam o Império Chinês. Uma série de outras evidências históricas poderiam ser citadas para demonstrar a legitimidade da soberania chinesa na região. O espaço não permite tanto, mas permite lembrar que desde o século 13 nenhum país reconhece o Tibet como território separado da China, assim como desde o século 18 as nomeações de autoridades regionais com status religioso e político (por exemplo, o Dalai Lama e o Panchen Lama) deveriam ser subscritos pelo governo central. Aliás, o próprio entrelaçamento entre poder religioso e público surgiu no Tibet, ainda no século 13, numa arrumação institucional que pudesse contemplar os interesses regionais (muito relacionados à religião) com os ligados ao Império como um todo, é produto da soberania chinesa (6).

Nada disso interessa ao status quo internacional atual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.

Império britânico e da discórdia

O início do declínio da soberania chinesa sobre o Tibet é concomitante com a perda de sua própria autonomia a partir das Guerras do Ópio ocorridas entre 1839 e 1842 contra a Inglaterra, que naquela época era a porta-voz dos traficantes internacionais de drogas e que fora a guerra pela manutenção das rotas marítimas e terrestres da droga manufaturada na Índia. A China, a partir de então, fora reduzida a uma semi-colônia agredida e dilacerada por potências que hoje, ironicamente, advogam o respeito aos “direitos humanos” e à “independência” do Tibet. Essa observação também não interessa ao status quo internacional atual. Para quê?

O enfraquecimento nacional chinês levou, por exemplo, a Rússia czarista a ocupar a porção norte da Mongólia e formar a chamada “Mongólia Exterior”, que posteriormente na década de 1920, após um golpe bolchevique planejado por Lênin, passou a se chamar República Popular da Mongólia; o Japão veio a ocupar o nordeste do país (Manchúria), estabelecimento uma monarquia títere (Qing) posteriormente derrubada pelo movimento republicano de 1911. A própria Inglaterra investia sobre o território chinês tanto pelo litoral sul, quanto pela via de suas então colônias Índia, Nepal e Butão, em direção ao Tibet. Tentativas de invasões ocorreram nos anos de 1888 e 1903, seguidas pelo Tratado de Lhasa, onde os chineses, além de reparações milionárias, tiveram de garantir acesso a rotas comerciais, via Índia, à Inglaterra, além de permitir o estacionamento de tropas inglesas, instalação de postos de correios e telegráficos e a autorização (para a Inglaterra) de manejar as relações exteriores do Tibet (7). O que significa dizer, perda quase completa de soberania sobre a região em prol dos interesses comerciais e políticos ingleses no sul da Ásia. Uma forma de reduzir o Tibet ao status antes proferido à Índia, logo a semente da discórdia em prol de uma independência da região fora lançada, com alcance estratégico sentida ate os dias de hoje. Melhor, nos próprios acontecimentos da última semana.

A semente da discórdia plantada pela presença britânica no Tibet pode ser sentida no ódio reservado pelos monges aos estabelecimentos comerciais de chineses da etnia majoritária han. Analogia histórica deve ser feita ao ódio religioso entre hindus e muçulmanos na Índia que transbordou na formação de três países separados (Índia, Paquistão e Bangladesh) após a retirada inglesa na década de 1940. Em ambos os casos, han e tibetanos no Tibet e hindus muçulmanos na Índia, as diferenças viveram com concórdia durante os séculos que antecederam a ocupação real britânica. O império britânico foi um grande fator de desestabilização regional, sentida com dor, sangue e lágrimas até os dias recentes.

Volto a repetir: Nada disso interessa ao status quo internacional atual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.

Pedra no tabuleiro dos interesses norte-americanos

Enfraquecer o já extenuado exército comunista com a intenção de acelerar uma mudança de governo em Pequim, este era o claro objetivo da inteligência norte-americana com o aumento de sua intervenção política no Tibet após 1947, momento aquele em que já era clara a vitória do PCCh sobre o Kuomintang na guerra civil. Neste contexto é significativo o envio, por Mao Tsetung, de um de seus chefes militares mais experimentados (um tal de Deng Xiaoping) ao sudoeste do país com a intenção de – rapidamente – apoderar-se militarmente do “teto do mundo”.

O Tibet aos olhos do imperialismo tem uma importância que evoluiu com o tempo: durante a Guerra Fria, sua independência poderia servir de bastião obscurantista em um continente onde as lutas entre socialismo e capitalismo ocorreram de forma mais sangrenta e, quase, sempre com epílogo em favor dos comunistas. Atualmente, poderia servir, além de base de missões e de bases militares, como um “Estado tampão”, entre os dois gigantes desenvolvimentistas asiáticos, a Índia e a China. Daí a corda dada (bilhões de US$) ao projeto de Dalai Lama de constituição de um “Grande Tibet”, como já citado, incluindo territórios hoje pertencentes a China, a Índia e ao Nepal e a um custo político cujos cálculos mereceriam ser feitos. Não se trata de vasão à teorias conspiratórias ou coisa do tipo. A realidade está aí a nos estatelar com os exemplos de Kosovo e da região da “meia-lua” boliviana, dois lugares onde a inteligência e diplomacia norte-americanas trabalham de forma incessante. Que me provem o contrário.

Neste sentido, Domenico Losurdo nos faz saber de um intrigante comunicado enviado ao então presidente dos EUA, Truman no ano de 1947 pelo então encarregado dos negócios dos EUA em Nova Délhi, George Merrel, para quem chama a atenção acerca da “inestimável importância estratégica” da região – teto do mundo: “(...) o Tibet pode, portanto, ser considerado um bastião contra a expansão do comunismo na Ásia ou ao menos como uma ilha de conservadorismo em um mar de desordens políticas. (...) o platô tibetano (...) em época de guerra de mísseis pode revelar-se o território mais importante de toda a Ásia” (8).

Aprendemos em filosofia marxista que o todo é reflexo do concreto, que por sua vez pode ser dividido em partes. Mais, na parte em sua essência o todo pode ser perfeitamente observado. Assim, para quem trabalha munido da verdade demonstrada pela história, deve antes de tudo, refletir em primeiro lugar se o imperialismo demoveu-se de seus interesses estratégicos na Ásia, do qual o Tibet é parte (vejamos o tratamento dispensado recentemente por Bush e o Congresso dos EUA a Dalai Lama) e em segundo lugar, se da mesma forma como no final da década de 1950 os ocorridos recentemente em Lhasa não são casáveis com os interesses norte-americanos na região, que envolve a contenção da China pela rota da ocupação do Afeganistão e o Iraque. Impossível melhor localização geográfica que o Tibet para produzir transtornos ao governo popular de Pequim. E dentro da China.

Cultura e avanços sociais

Muita gente honesta, de esquerda inclusive, poderá aludir a bandeira da presença no Tibet de uma questão nacional, centrada na necessidade da preservação cultural e da identidade nacional tibetana que poderá incluir o direito ao Tibet de gozar de independência. Em primeiro lugar em resposta a este tipo de questão que poderá ser aludida nalgum momento, os defensores da soberania chinesa sobre aquela região deverá reconhecer que inúmeros abusos foram cometidos contra as características culturais tibetanas – principalmente em afronta a seus traços mais obscurantistas – durante a Revolução Cultural (1966-1976). Mas é bom salientar que quem esteve a frente das turbas juvenis durante esta horrível página da história da república popular eram guardas vermelhos de nacionalidade tibetana.

Não resiste a prova empírica a “denúncia” feita por Dalai Lama no último domingo (15/03) acerca de um genocídio cultural no Tibet. A bem da verdade toda uma política afirmativa pró-tibetana está em curso na região desde 1990, momento este em que se instituiu a obrigatoriedade de o governador (que era da etnia han até 1990), ser de nacionalidade tibetana, 70% dos funcionários públicos idem, o bilingüismo foi recentemente introduzido com clara preferência a língua tibetana e estimulado e a construção da primeira linha ferroviária ligando o Tibet ao resto do país trouxe novo fôlego econômico à região. Segundo Duarte Pereira, “Hoje quem visita o Tibet, pode ver por toda a parte os estandartes com sutras e os nichos com imagens sagradas. Existem 46 mil monges e freiras, cerca de 2% da população, e aproximadamente 1 mil e 700 mosteiros religiosos foram recuperados. A tradição secular dos festivais religiosos foi retomada e um grande movimento editorial vem publicando as escrituras sagradas e a literatura religiosa do budismo, em alguns casos pela primeira vez. A célebre epopéia tibetana do rei Gásar foi recolhida da tradição oral e está sendo publicada pela primeira vez em vários idiomas” (9).

Um longo ensaio poderia ser feito para descrever os avanços sociais obtidos no Tibet nos últimos 50 anos, pronto para escancarar as diferenças entre uma teocracia escravista apoiada pelos imperialismos britânico e norte-americano em contraponto à democracia popular posta em prática na região: seus analfabetos deixaram de ocupar 90% de sua população para menos de 20% em 2005; não existiam escolas públicas de primeiro ou segundo grau em 1950, hoje existem mais de 3.000; não existiam universidades, hoje conta com uma universidade e três grandes centros de pesquisas; não existiam direitos às mulheres, hoje elas ocupam cerca de 20% do funcionalismo publico e 28% das vagas oferecidas na universidade. A população tibetana dobrou no período entre 1950 e 1990, fruto – também – de um aumento da expectativa de vida que variou de 35 anos em 1950 para 65 anos em 1990 (10).

Repito mais uma vez: Nada disso interessa ao status quo internacional atual; o pensamento liberal é essencialmente a-histórico.

Progresso x retorno à Idade da Pedra

Não precisa ser nenhum militante comunista ou nutrir alguma simpatia pela China para perceber que longe da soberania chinesa, nenhum avanço econômico, social e político seria possível num país com as características sociais e geográficas como o Tibet. O caso da Índia é muito instigante: nem um crescimento robusto nos últimos 20 anos tem sido capaz de mudar a situação de milhões de parias sociais e nem garantir que quase 50% de sua população deixe de inflar os dados sobre analfabetismo no país.

A questão reside no fato de que a “lei do desenvolvimento desigual e combinado” teria o efeito de uma bomba, se o Tibet se tornasse um país independente. O Tibet é um país cuja maioria de sua população ainda vive de atividades primárias e na linha da sobrevivência. Citada lei (do desenvolvimento desigual e combinado) só pode ter proscrição nos quadros de um planejamento nacional e transferências centro x periferia no interior do país, como na URSS dos primeiros planos qüinqüenais e a China de hoje.

A independência da região não garantiria a drenagem de bilhões de US$ em obras infra-estruturais hoje proveniente do governo central, afora outro montante de investimentos em variegados setores como o da geração de energia eólica e o turismo. Seguramente, a independência do Tibet seria a senha ao retorno da região à Idade da Pedra, como ocorreu em diversas localidades da extinta URSS, África e América Central pós-Consenso de Washington (década de 1990).

Continuidade do progresso e afirmação nacional decorrentes de tal ou um retorno à Idade da Pedra afiançado pelo imperialismo, eis o dilema tibetano.

Finalizando, a “mão invisível do mercado” ou algum “hedge fund” teria condições de alçar o progresso social e material de uma localidade como o Tibet, longe da soberania chinesa? Algum monge profeta de uma futura “independência do Tibet” ou qualquer intelectual orgânico do status quo reinante ou algum (a) jornalista brasileiro correspondente na China aceitariam enfrentar este debate? Alguma consideração fora das palavras de ordem ditadas em algum “instituto de estudos chineses” ou em redações dos jornalões do imperialismo, ambos localizados no centro do sistema?

Notas:

(1) Sobre este projeto do “Grande Tibet”, ler: GOLDSTEIN, Melvin: “The Dalai Lama`s Dilenma”. In, Foreign Affairs. January/February, 1998. pp. 83-97.
(2) LOSURDO. D. “Fuga da História?”. Editora Revan, 2004, p. 171. Losurdo baseia-se em dados contidos em: KNAUSS, John Kennedy: “Orphan of the Cold War. America and Tibet Struggle for Survival”. Political Affairs. New York, 1999. A fonte é insuspeita, pois Knauss foi agente da CIA com grande folha de serviços prestados na Ásia.
(3) GYAINCAIN. N. & JIAWEI, W.: “The Historical Status of China’s Tibet”. China Intercontinental Press. Beijing, 1995.
(4) PEREIRA, Duarte: “A polêmica sobre o Tibete”. In, LIMA, Haroldo (org.): “China: 50 anos de República Popular”, Anita Garibaldi, 1999, p. 105.
(5) Idem, p. 100.
(6) Ibidem, p. 101.
(7) GYAINCAIN. N. & JIAWEI, W.: “The Historical Status of China’s Tibet”. China Intercontinental Press. Beijing, 1995, p. 112.
(8) LOSURDO. D. “Fuga da História?”. Editora Revan, 2004, p. 170.
(9) PEREIRA, Duarte: “A polêmica sobre o Tibete”. In, LIMA, Haroldo (org.): “China: 50 anos de República Popular”, Anita Garibaldi, 1999, p. 108.
(10) Idem, p. 108 e Tibet Statistical Yearbook para todos os anos.

*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).

retirado do Vermelho

segunda-feira, 24 de março de 2008

Confira os mitos e os factos concretos sobre o Tibete

19 DE MARÇO DE 2008

O jornalista francês Hubert Beuve-Mery, fundador do Le Monde, costumava insistir que ''a missão do jornalista é saber e dizer o máximo possível". Ainda há jornais e jornalistas que seguem esse preceito. Mas cresce o número dos que substituem qualquer esforço investigador pela reprodução acomodada de versões unilaterais e distorcidas dos acontecimentos.

Por Duarte Pereira, para a revista Princípios


A controvérsia sobre o Tibete é um bom exemplo. Livros, reportagens e documentários repetem, monocordicamente, os relatos e as acusações difundidas pelos separatistas tibetanos. Não entrevistam as autoridades actuais da região, nem os monges patriotas que apoiam a unidade da China. Não recorrem às informações e aos documentos oferecidos pelo governo central do país. Não consultam especialistas independentes. Se o fizessem, seria obrigados a reconhecer que a história da China, do Tibete e de suas relações mútuas é muito diferente da propagada pelos separatistas.
A polémica envolve três questões básicas. Primeira: o Tibete é um país independente, invadido e ocupado pelos comunistas, à frente do Exército Popular, ou faz parte da China há 700 anos, tendo os comunistas apenas cumprido o dever de libertar e reunificar o conjunto do país?
Segunda: antes de 1950, o Tibete era uma terra pacífica e feliz, governada por monges sábios e desprendidos como a mítica Shangri-la do novelista britânico James Hilton, ou penava sob um regime teocrático-feudal, atrasado e cruel?
Por último, o que é melhor para as nacionalidades chinesas e para os povos do mundo nas vésperas do século 21: a divisão e o dilaceramento da China, ou a preservação de sua unidade estatal e o progresso conjunto de suas nacionalidades?
O teto do mundo
A República Popular da China é um país enorme, formado por 23 províncias, cinco regiões autónomas, uma região especial, Hong Kong, e três municipalidades subordinadas directamente ao governo central. O Tibete é uma das regiões autónomas. Cobre uma superfície de 1 milhão e 200 mil quilómetros quadrados, aproximadamente a oitava parte do território chinês, e abrange a capital, Lhasa, seis prefeituras e 76 distritos.
Localizado no sudoeste da China, o Tibete limita-se ao norte com a Região Autónoma de Xinjiang, ao nordeste com a província de Qinghai, ao leste com a de Sichuan, ao sudeste com a de Yunnan, e ao sul e ao oeste com os seguintes países, no sentido horário: Myanma ( antiga Birmânia), Butão, Sikkim ( principado de origem tibetana, anexado pela Índia em 1974), Nepal e Índia.
O Tibete ocupa a maior parte do planalto que leva seu nome, o mais alto de Terra, com uma elevação média de 4 mil metros. É, por isso, apelidado de Teto do Mundo. É praticamente cercado por cordilheiras: ao norte, a de Kunlun; ao leste, a de Tangula; ao sul e ao oeste, a do Himalaia. Nesta última, na fronteira entre o Tibete, na China, e o Nepal, ergue-se a montanha mais alta do planeta, com 8.848 metros, a Qomolangma Feng, ou ''mãe sagrada das águas, conhecida no Ocidente como monte Everest. No único intervalo entre as cordilheiras, no limite com a província de Sichuan, o Tibete é separado pelo rio Jinsha.
Aliás, os rios mais importantes da Ásia nascem no planalto tibetano: para o leste, os rios Amarelo ( Huang-ho) e Azul ( Yangtze Kiang), os principais da China; para o sul, o Mekong, que desemboca na costa do Vietnã, e o Yarlung Zangbo, que passa a chamar-se Brahmaputra na Índia e desagua no golfo de Bengala; para o oeste, o Indo e o Ganges, os principais da Índia.
É uma região rica em recursos naturais. Conta com enorme variedade de aves e animais e com mais de 5.700 espécies vegetais, inclusive plantas medicinais de grande renome, base da medicina tibetana tradicional. Já foram localizadas jazidas de 70 tipos de minerais e os recursos geotérmicos são abundantes, chegando a temperatura da água em alguns poços a 92 graus C.
Por sua diversidade, o Tibete pode ser dividido em três zonas naturais. A parte norte, onde se concentra a criação extensiva de iaques e ovelhas, tem altitude média de 4.500 metros, clima frio e seco, extensas pradarias e numerosos lagos, como o famoso Nam Co, o segundo maior lago salgado da China.
A área oriental é constituída por uma série de montanhas elevadas e vales profundos, com a altitude variando entre 2 mil e 6 mil metros. É a zona mais inóspita. A neve perpétua nos cumes de suas montanhas é responsável pelo outro apelido, atribuído ao Tibete, de Terra das Neves.
Nos vales do sul, cortados pelos rios Yarlung Zangbo e afluentes, a altitude média é inferior a 4 mil metros, o clima é temperado, a precipitação pluvial é copiosa e a vegetação arbórea, exuberante. Nessa área é que se concentram a população e as actividades agrícolas. É, por isso, conhecida como o celeiro do planalto.
Apesar da altitude, do ar rarefeito e do clima severo, o planalto tibetano começou a ser povoado no período neolítico. Por essa época, uma população já considerável se espalhava nas planícies centrais da China, entre os rios Amarelo e Yangtze.
China, um país milenar e multinacional
Para deslindar a controvérsia sobre o Tibete, é preciso entender a formação histórica da China. Trata-se de um país milenar, o único com aproximadamente 4 mil anos de história contínua, e também multinacional, integrado por 56 nacionalidades.
A China não é, portanto, uma construção exclusiva da nacionalidade han, a maioritária. É um produto histórico da luta e do trabalho conjunto de todas as nacionalidades que a integram. Com uma trajectória tão longa, a China não podia escapar aos conflitos entre suas dinastias, nacionalidades e classes. Por mais de uma vez, foi unificada, dividida e reunificada.
Se a convergência prevaleceu e se as nacionalidades chinesas estreitaram seus vínculos ao longo dos séculos, é porque perceberam, diante das ameaças exteriores, que só garantiriam sua independência comum e o desenvolvimento de suas economias e de suas culturas se aprofundassem as relações de unidade e cooperação.
Os vínculos entre as nacionalidades han e tibetana, por exemplo, remontam a tempos muito antigos. Uma prova indelével se encontra no idioma das duas nacionalidades: pertencem à mesma família linguística, significativamente classificada como sino-tibetana. O próprio budismo, que iria marcar tão profundamente a cultura tibetana, foi introduzido na região pelo norte da Índia e pelo Nepal, mas também pela Mongólia e pela China central.
No século 7, quando as tribos do planalto tibetano formaram seu primeiro Estado unificado, o reino de Tubo, dois de seus soberanos casaram-se com princesas de origem han, firmaram uma aliança política com a dinastia Tang, das planícies centrais da China, e intensificaram o intercâmbio económico e cultural entre as duas nacionalidades.
O reino de Tubo desapareceu em meados do século 9, quando o rei Langdama foi assassinado por fanáticos religiosos. Durante 400 anos, o planalto tibetano foi sacudido por separatismos e por guerras, com principados e mosteiros lutando entre si. Por coincidência, na mesma época, as planícies centrais e o sul da China eram conflagrados por disputas dinásticas intermináveis.
Ainda assim, o intercâmbio entre as duas nacionalidades não se interrompeu, desenvolvendo-se inclusive uma nova modalidade de comércio, a troca de chá chinês por cavalos tibetanos. E quando, no século 13, o mongol Kublai Khan reunificou a China e fundou a nova e poderosa dinastia Yuan, o Tibete foi incorporado ao Império do Meio como uma de suas províncias. O italiano Marco Polo, que visitou a corte de Kublai Khan e registrou as observações de sua viagem, descreve o Tibete como uma das 12 províncias do império.
O Tibete, parte da China
Desde então, há 700 anos, o Tibete faz parte da China. Assim permaneceu nas dinastias Ming e Qing, que se seguiram. Quando a República foi proclamada, seu primeiro presidente Sun Yat-sen, declarou no discurso de posse em primeiro de Janeiro de 1912: ''O fundamento desta República baseia-se no povo, que integra todas as zonas hans, manchus, mongóis, huis e tibetanas num único Estado. A República Popular, proclamada em 1949, estendeu o reconhecimento às demais nacionalidades.
A subordinação do Tibete aos sucessivos governos da China, desde o século 13, evidencia-se na presença de representantes do poder central em Lhasa; na nomeação e julgamento de funcionários locais; no envio de tropas para defender as fronteiras e manter a ordem interna; na condução centralizada das relações exteriores; na imposição de leis, decretos e regulamentos; na realização de censos demográficos; na cobrança de tributos; na redefinição de órgãos e divisões administrativas internas. É importante ressaltar também que, desde o século 13, nenhum país reconhece o Tibete como um Estado separado da China.
Outra prova da incorporação do Tibete à China é a participação de delegados tibetanos em órgãos executivos e legislativos do poder central, desde a dinastia Yuan. O próprio entrelaçamento entre o poder político e o poder religioso no Tibete nasceu com sua integração na China, quando Kublai Khan, para facilitar a pacificação do planalto tibetano, aliou-se com a influente seita budista de Sagya, tendo o cuidado, no entanto, de repartir cargos e títulos equitativamente entre lamas e nobres leigos.
Durante a dinastia Ming, cresceu a influência da seita Kargyu, ou Branca, sobrepujada durante a dinastia Qing pela seita Gelug, ou Amarela, quando os abades dos mosteiros de Drepung, em Lhasa, e de Trashilhunpo, em Xigaze, desta seita, tiveram seus títulos e atribuições de Dalai-Lama e de Panchen-Erdeni confirmados pela corte imperial.
Finalmente, em meados do século 18, a corte Qing determinou que o sétimo Dalai-Lama assumisse a liderança do governo local do Tibete. Porque o Dalai-Lama e o Panchen-Erdeni acumulam funções religiosas e políticas, a escolha de seus sucessores passou a depender de confirmação final pelo governo central da China. A escolha e a entronização do actual Dalai-Lama foram confirmadas pelo governo nacionalista da República da China em 1940.
É sabido que a China passou por fases de divisão e enfraquecimento do poder central, quando os governos locais, não só o do Tibete, adquiriam grande autonomia, muitas vezes estimulados por potências estrangeiras, interessadas em arrebatar fatias do território chinês.

Foi assim que a Rússia czarista ocupou uma parte da Mongólia e a dividiu em Mongólia Exterior e Mongólia Interior. Ou que o Japão invadiu a Manchúria e tentou restabelecer, sob seu controle, a dinastia Manchu dos Qing, derrubada pelo movimento republicano. Da mesma forma, a Grã-Bretanha, já senhora da Índia, do Butão do Sikkim e do Nepal, combinou seus ataques ao litoral chinês com a invasão do Tibete em 1888 e 1903 e com as tentativas de impor à China o Tratado de Lhasa e a Convenção de Simla.
A propaganda separatista, tão estridente contra a China, silencia sobre essas agressões britânicas e os saques perpetrados pelas tropas de Sua Majestade, assim como não menciona a tentativa indiana de invocar a Convenção de Simla para arrebatar da soberania chinesa uma parcela do planalto tibetano, o que levou em 1962 a um conflito fronteiriço entre os dois países.
A ocupação britânica do Tibete não vingou, mas a grande potência imperialista arrancou concessões e passou a estimular, entre lamas e nobres tibetanos, um movimento pela independência, isto é, pela separação do Tibete, para colocá-lo sob controle ocidental. Após a Segunda Guerra Mundial e com a avanço da revolução popular na China, os Estados Unidos aderiram aos intentos britânicos, reforçando o movimento separatista com agentes, armas, treino, propaganda e apoio diplomático.
O Partido Comunista e o governo popular, instalado em Pequim em primeiro de Outubro de 1949, tinham o dever, portanto de concluir a libertação e a reunificação da China, defendendo, como no passado, as fronteiras históricas do país.
Ainda assim, não se pode acusá-los de agir precipitadamente. Entre Outubro de 1949 e Outubro de 1950, fizeram repetidas gestões para que o governo local negociasse as condições de libertação pacífica do Tibete. Mas o governo tibetano, dominado pela facção pró-ocidental, preferiu concentrar tropas na margem do rio Jingsha. Diante da intransigência, o governo central determinou que o exército popular transpusesse o rio e entrasse no Tibete, travando-se a batalha de Qamdo entre 6 e 24 de Outubro de 1950, a única na libertação do Tibete. Derrotadas as tropas locais, o Exército Popular interrompeu seu avanço, enquanto o governo de Pequim insistia nas negociações.
O confronto, no governo e na classe dominante do Tibete, entre a facção pró-ocidental e o sector favorável à negociação se aprofundou, o regente foi afastado, o décimo quarto Dalai-Lama, ainda menor de idade, assumiu a liderança e nomeou negociadores. Em contrapartida, retirou-se para Yadong, na fronteira com a Índia.
Alguns meses depois, em 23 de Maio de 1951, em Pequim, os delegados do governo central e local assinaram o Acordo dos 17 Artigos, que reconhecia a unidade da China e a autoridade do governo popular sobre todo o território nacional, mantendo temporariamente os governantes e as instituições do Tibete até que fosse negociada a reforma democrática pacífica da região. Em 24 de Outubro de 1951, o décimo quarto Dalai-Lama telegrafou ao presidente Mao Tsé Tung, aprovando pessoalmente o acordo, e retornou a Lhasa.
O Exército Popular entrou na capital tibetana em 26 de Outubro de 1951, após o regresso do Dalai-Lama e com seu consentimento. O montanhista austríaco e militante nazista Heinrich Harrer, autor de Sete anos no Tibete, geralmente muito tendencioso em seus relatos, reconhece: ''Deve-se dizer que durante essa guerra as tropas chinesas se mostraram disciplinadas e tolerantes e os tibetanos que foram capturados e depois libertados diziam que haviam sido bem tratados.''
Em 1954, o décimo quarto Dalai-Lama participou da primeira Assembleia Nacional Popular da China, que elaborou a Constituição da República Popular, tendo sido eleitos um dos vice-presidentes do Comité Permanente dessa Assembleia. Na ocasião, pronunciou um discurso afirmando: ''Os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião do Tibete, foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas.'' Em 1956, assumiu a presidência do comité provisório encarregado de organizar a região autónoma do Tibete. As relações entre os governos central e local estavam, portanto, normalizadas.
O levante contra a reforma democrática
O conflito ressurgiu quando se cogitou em promover a reforma democrática do Tibete, separando a religião do Estado, abolindo a servidão rural e a escravidão doméstica e redistribuindo a propriedade das terras e dos rebanhos, monopolizada pela aristocracia civil e pelos mosteiros. A facção pró-ocidental, aproveitando-se da insatisfação entre lamas e nobres, retomou a ofensiva. Agitando as bandeiras separatista e religiosa, e apoiada pela CIA cada vez mais desinibidamente, como hoje se reconhece, essa facção fundou uma organização política, a ''Quatro Rios e Seis Montanhas”, e uma organização militar, o ''Exército de Defesa da Religião'', e iniciou em 1956 ataques armados a funcionários e prédios públicos, a obras de infra-estrutura e até mesmo a tibetanos que apoiassem o movimento democratizador.
Reagindo com prudência, o governo central propôs adiar a reforma democrática, até que se chegasse a um acordo satisfatório sobre prazos e requisitos para sua implementação. Mas a facção contra-revolucionária intensificou os ataques e, aproveitando-se de um festival religioso em Lhasa, desfechou uma insurreição na capital em 10 de Março de 1959, retirou o Dalai-Lama para a Índia e generalizou os conflitos.
O governo central considerou, então, rompido o acordo de 1951, destituiu o governo teocrático, transferiu suas atribuições para o Comité Organizador da Região Autónoma e determinou ao Exército Popular que restabelecesse a ordem no planalto.
A guerra que se seguiu, entre 1959 e 1961, não se travou entre dois países, mas entre duas coligações sociais. De um lado, as forças imperialistas, interessadas na divisão da China, e a facção de lamas e nobres empenhados na preservação do regime teocrático-feudal; de outro lado, o governo popular central e os monges, nobres, servos e escravos comprometidos com a unidade nacional da China e com a reforma democrática do Tibete. Não foi uma guerra nacional, nem religiosa, mas um conflito semelhante à guerra civil que opôs, nos Estados Unidos, o norte abolicionista ao Sul escravocrata. Ninguém recusa ao governo de Washington o direito de ter recorrido às armas para salvaguardar a unidade nacional e garantir o fim da escravidão.
Muitos têm dificuldade para entender a natureza social do conflito, porque não prestam atenção no regime político-económico que vigorava no Tibete e nas áreas tibetanas das províncias vizinhas. Aliás, o décimo quarto Dalai-Lama e seus adeptos falam o menos possível do regime antigo.
O feudalismo se generalizou após o colapso do reino de Tubo, em meados do século 9; a teoria budista se consolidou em meados do século 18. Mas, ainda em 1959, os lamas da camada superior, os nobres leigos e seus agentes representavam 5% da população; os servos e os escravos correspondiam a 95%. Os primeiros, especialmente os membros das 400 famílias mais importantes, viviam no fausto; a maioria dos lavradores, pastores e serviçais sobrevivia em extrema penúria. O contraste entre ricos e pobres penetrava nos próprios mosteiros, conforme descreve uma testemunha insuspeita, o décimo quarto Dalai-Lama, em sua autobiografia.
Das terras agricultáveis, segundo levantamento de Junho de 1959, o governo local detinha e administrava directamente 38,9%; os mosteiros, 36,8%; os aristocratas leigos, 24%. A pequenos camponeses cabiam os 0,3% restantes. Os nobres e os mosteiros possuíam também a maior parte dos rebanhos. Para lavrar as terras e cuidar dos rebanhos, nobres, mosteiros e funcionários recorriam ao trabalho de servos.
Para ter acesso à terra arável e às pastagens, os servos, 90% da população, eram forçados a pagar aos nobres e mosteiros uma renda, principalmente sob a forma de corvéia ou renda em trabalho, secundariamente sob a forma de renda em produtos, e às vezes em dinheiro. Arcavam também com pesados tributos e taxas, pagos em serviços e em dinheiro. Sem recursos suficientes, endividavam-se com os nobres e, principalmente, com os mosteiros, pagando elevados juros. Se morriam sem saldar a dívida, ela passava aos descendentes ou aos vizinhos.
Para os escravos, 5% da população, provavelmente uma sobrevivência do passado pré-feudal, ficavam os serviços domésticos e públicos mais pesados, como a limpeza, o despejo de fezes, o transporte de carga e o transporte de nobres e funcionários, em liteiras ou nas próprias costas. Os filhos de servos e escravos não eram registrados em cartórios públicos, mas nos livros de seus senhores, a quem competia também autorizar os casamentos. Servos e escravos podiam ser trocados, doados, emprestados ou mesmo vendidos. Para os pobres, não havia hospitais, nem escolas. As guerras e epidemias dizimaram a população.
As leis confirmavam essa estrutura desigual, dividindo a população em três estratos e nove graus, com direitos e deveres distintos. Não havia, portanto, igualdade jurídica, nem mesmo para as mulheres do estrato dominante. Se um nobre matava um servo ou um escravo, pagava uma indemnização. Mas, para servos e escravos que agredissem um nobre ou furtassem um bem, os códigos previam penas cruéis, como espancamentos brutais, mutilação de mãos ou pés, extracção dos olhos. Até entre os monges, a disciplina era mantida à custa de chicotes e surras, como relata o Dalai-Lama em sua autobiografia. Além de uma prisão pública e precária em Lhasa, havia guardas, tribunais e cárceres privados nos mosteiros e nas grandes propriedades.
Os monges da camada superior e os nobres mais influentes monopolizavam os direitos políticos. O Dalai-Lama encabeçava o governo desde meados do século 18. Os demais cargos eram repartidos entre lamas e nobres leigos. A Seita Amarela, do Dalai-Lama, era privilegiada em relação às demais seitas e o budismo tibetano, em relação às demais religiões.
O Tibete antigo não tinha nada de idílico, portanto. É espantoso que se invoquem os ''direitos humanos'' para defender esse regime opressivo e cruel, em que a maioria da população, formada por servos e escravos, não gozava de liberdade pessoal, nem dispunha de qualquer direito político.
A unidade, garantia do avanço
Rompido o acordo de 1951 pelo décimo quarto Dalai-Lama e seus adeptos separatistas, o governo central aboliu o regime teocrático, revogou as leis e códigos desiguais, fechou os tribunais e cárceres privados, emancipou os servos e os escravos, cancelou as dívidas que os sufocavam e procedeu à redistribuição gradativa e cuidadosa das terras e dos rebanhos, indemnizando os proprietários que apoiassem a reforma democrática.
Restabelecida a ordem e concluída a reforma agrária, foi iniciada a implantação do sistema de assembleias e comités populares, com a eleição das assembleias distritais em 1964. Estas elegeram as assembleias municipais, que por sua vez escolheram a Assembleia Regional Popular em 1965, instituindo-se a Região Autónoma do Tibete. Dos 301 delegados à primeira assembleia, 226 eram tibetanos, a maioria servos e escravos emancipados, mas havia também monges, ex-nobres patriotas e, pela primeira vez em cargos públicos, mulheres. Desde então, a Região Autónoma do Tibete já teve quatro presidentes leigos, todos tibetanos.
Os erros cometidos pela chamada Revolução Cultural entre 1966 e 1976, no Tibete como em toda a China, suscitaram novos atritos, de que se aproveitaram os separatistas para promover distúrbios violentos em Lhasa, entre 1987 e 1989, numa iniciativa orquestrada com as manifestações antigovernamentais em Pequim e com a crise dos países socialistas na Europa Oriental. Mas o Partido Comunista e o governo popular da China venceram essas duras provas, preservando as conquistas revolucionárias, corrigindo os erros e restabelecendo as políticas de liberdade religiosa, de frente única com todos os sectores patrióticos e de respeito mútuo entre as nacionalidades. É claro que a China ainda é um país pobre e que o Tibete é uma de suas regiões menos desenvolvidas. É indiscutível também que ainda existe muito que aprender no aprimoramento das democracias socialistas e no desafio de conjugar a preservação das culturas tradicionais com o desenvolvimento de culturas novas e progressistas. Contudo, quem investiga com isenção, não pode deixar de reconhecer os avanços políticos, económicos e culturais obtidos com a libertação e a reforma do Tibete nas últimas décadas.
Essa experiência positiva, contraposta ao colapso da União Soviética e ao dilaceramento da Jugoslávia, confirma que a união, não a divisão, é que pode assegurar o desenvolvimento conjunto das nacionalidades integrantes de países como a China. Rompida a unidade, abandonado o caminho socialista, na União Soviética e na Jugoslávia, perderam-se também as conquistas democráticas, reacenderam-se as chamas de conflitos étnicos e religiosos, reabriu-se o perigo de propagação de guerras devastadoras.
Certo estava o nono Panchen Erdeni, o segundo lama na hierarquia do budismo tibetano, quando escreveu em 1929: ''Por suas relações históricas e geográficas, nem o Tibete pode ser independente da China, nem a China do Tibete. Assim, ambos serão beneficiados se permanecerem unidos, enquanto a separação prejudicará a ambos.''

Bibliografia

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Duarte Pereira é jornalista
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