domingo, 4 de maio de 2008

Quem é Kenzin Gyatso?

Artigo publicado no "Avante", 30.04.08

Ao contrário do que se presume, o Dalai Lama que nos entra casa dentro, sorridente e afável, no pequeno ecrã, não é originário do território historicamente considerado como parte integrante do Tibete. O menino a que os pais chamaram Kenzin Gyatso, nasceu, em 1935, na província de Amdo, território incontestavelmente pertencente à China. Só em 1938, e após apurada ponderação dos sábios religiosos, é que o pequeno Gyatso é indicado como sendo a reincarnação do anterior Dalai Lama, o 13.º.
A ecuménica conclusão motivou a passagem de Gyatso do seio familiar para o isolamento num mosteiro, onde, desde tenra idade, fica restrito à influência exclusiva dos monges, «que o ensinam a sentir, pensar, escrever, falar e comportar-se como o deus-rei tibetano», sublinha Domenico Losurdo.
Cingido à disciplinada esfera monástica, Kenzin Gyatso interioriza o papel de Dalai Lama, aprende tibetano e sofre com a separação dos pais, facto que confessa a Heinrich Harrer no livro «Sete anos no Tibete».
No mesmo texto – que merece no final uma mensagem de gratidão do Dalai Lama –, Harrer revela que, em 1946, encontra em Lhasa os pais de Kenzin Gyatso. Estes ascenderam socialmente. Gozam do conforto proporcionado pelo poder e riqueza inerentes aos progenitores de sua santidade, mas mantêm enraizados muitos dos hábitos da anterior proveniência. Não dominam o idioma local e seguem o ritual do chá como a maioria dos chineses.
Seria igualmente de supor que, tendo sido escolhido para suceder ao 13.º Dalai Lama por meditada revelação, Kenzin Gyatso conservasse o costume e deixasse nas mãos da divina providência a sua régia linhagem. Puro engano.
Segundo Humberto Alencar, em Novembro do ano passado, o actual Dalai Lama propôs que, «em vez de esperar que os sábios religiosos encontrassem a próxima encarnação, fosse ele quem a escolhesse». Alencar acrescenta que «para impor o seu método e estabelecer uma linha sucessória segura para os separatistas, o Dalai Lama sugeriu um referendo entre os budistas tibetanos». A proposta demonstra o empenho de Kenzin Gyatso em determinar a escolha do seu herdeiro, mas parece ter sido recebida pelos Lamas com escasso entusiasmo.
Sobre a enigmática personagem, o professor Elias Jabbour lembra que, em 1989, quando o «pacifista» foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz, defendia a detenção de armas nucleares por parte da Índia.
Mais recentemente, notou ainda Humberto Alencar, o 14.º Dalai Lama declarou ser «muito cedo para dizer se a guerra no Iraque foi um erro» e mostrou-se convicto da necessidade de «reprimir o terrorismo».
Mesmo não tendo feito luz sobre o que considera «reprimir», a declaração soa estranha proferida por alguém que se apresenta como genuíno defensor da paz.

A duplicidade do Dalai Lama

Do ambiente místico que serve de pano de fundo à campanha chamada de pró-Tibete, não sobressai a história recente da relação envolvendo a China, o Tibete – que a integra - e o Dalai Lama. É natural, tendo em conta que a verdade não interessa ao capitalismo neoliberal, que prefere reescrever o passado de acordo com os seus objectivos presentes e futuros.

É por isso que muitos dos que se deixam encantar pela lenga-lenga do Dalai Lama e da sua «causa», desconhecem que foi este mesmo 14.º Dalai Lama e o seu «governo» quem, em 23 de Maio de 1951, autorizou a assinatura do Acordo dos 17 Artigos regulando «a integração pacífica do Tibete na China, a sua autonomia subordinada ao governo central, e a manutenção do regime vigente no Tibete até à elaboração ulterior dos princípios da sua reforma democrática», como explicou nas páginas do Avante! Carlos Aboim Inglez, a 29 de Novembro de 2001.
Recuando um pouco no tempo, vale a pena precisar ainda que depois do triunfo revolucionário de 1949, a China encetou várias iniciativas visando o diálogo com os Lamas e nobres que dominavam o território, e que estes não apenas recusaram negociar, acicatados pelas potências ocidentais, como enviaram tropas para a fronteira, vindo a sofrer uma copiosa derrota frente ao Exército Popular de Libertação em Qamdo.
Nesta fase, entra em cena o Dalai Lama. Afastando-se tacticamente do podre poder de Lhasa, exila-se em Yadong, na fronteira com a Índia, destitui o regente e nomeia emissários a Pequim. Meses depois, já regressado à capital tibetana, telefonou ao presidente Mao Tsé Tung autorizando a entrada das tropas chinesas, as quais, apesar da vitória sobre o exército dos Lamas, permaneciam acantonadas para não inquinarem o diálogo. Todos os prisioneiros de guerra foram libertados pela China.
O Dalai Lama recebeu a 26 de Outubro de 1951 o Exército Popular em Lhasa, embora seja seguro que os círculos que o rodeavam já haviam iniciado a desforra com o apoio da CIA.

Eleito e confiante

Depois do Acordo dos 17 Artigos e do regresso a Lhasa, as relações envolvendo a China, o Tibete e o Dalai Lama pareciam normalizadas. De tal forma que o pontífice participou, em 1954, na primeira Assembleia Nacional Popular de Libertação da China, onde, para além de ser eleito vice-presidente do Comité Permanente, aprovou a Constituição da República Popular.
Na ocasião mostrou-se confiante nos benefícios da reunificação do país e declarou que «os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinaram a religião do Tibete foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas». Cerca de 54 anos depois, o Dalai Lama desdiz-se e os seus seguidores repetem à exaustão o argumento da «liberdade religiosa», usado desde sempre para ocultar a natureza da sua luta.

A reacção contra-ataca

Os acontecimentos que se seguiram mostram, por um lado, a duplicidade do Dalai Lama, e, por outro, que tudo estaria bem na relação com a China se não fossem tocados os privilégios da diminuta classe dominante.
Enquanto o Dalai Lama assumia a presidência do comité provisório encarregado de organizar a região autónoma do Tibete, em 1956, a facção mais reaccionária dos lamas, nobres e funcionários preparava o contra-ataque. O alvo era a soberania chinesa. Em causa estava a reforma democrática iniciada nesse mesmo ano por iniciativa do governo central com o objectivo de abolir a escravatura, separar a igreja do Estado, promover os direitos e o bem-estar da população.
É evidente que a aliança de senhores feudais e teocratas não podia aceitar tais progressos, e assim, com a preciosa ajuda da CIA, fundou o Exército de Defesa da Religião, organização que entre 1956 e 1961 realizou vários ataques no Tibete, o mais emblemático dos quais a 10 de Março de 1959, data tradicionalmente reservada a um festival religioso e que no passado mês os grupos de criminosos «festejaram» com um «levantamento» em Lhasa (ver Os acontecimentos de Março).Desde então, o Dalai Lama exilou-se na Índia, país a partir do qual coordena a campanha suja com o auxílio das potências atlânticas.

1 comentário:

Silvares disse...

Este texto fede a propaganda Pêcêpista. É tendencioso e, mesmo que se baseie em factos reais, a forma como está escrito e é concluído é repelente.

"Do ambiente místico que serve de pano de fundo à campanha chamada de pró-Tibete, não sobressai a história recente da relação envolvendo a China, o Tibete – que a integra - e o Dalai Lama. É natural, tendo em conta que a verdade não interessa ao capitalismo neoliberal, que prefere reescrever o passado de acordo com os seus objectivos presentes e futuros."

Uma tirada deste calibre no Avante! só pode ser uma piada de mau gosto. Desde quando é que a verdade interessa aos propagandistas que escrevinham no Avante!? Desde que caiu o Muro de Berlim? Por favor. Argumenta como quiseres mas não venhas propor como fonte fidedigna o jornal mais abjecto e tendencioso que se publica em Portugal. Ao pé do Avante! o Povo Livre é um hino à liberdade de expressão. Porra.

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