segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sobre a situação no Irão

Irã, outra 'revolução colorida' orquestrada pelos EUA?

Vários comentaristas têm manifestado crença inabalável na pureza de intenções de Mousavi, de Montazeri e da juventude ocidentalizada de Teerã. É como se o plano da CIA, de desestabilização, noticiado há dois anos, nada tivesse a ver com o desenrolar dos eventos de hoje. Tem-se repetido que Ahmadinejad roubou votos, porque o resultado foi apresentado depressa demais, em tempo que teria sido insuficiente para que os votos fossem contados.

Por Paul Craig Roberts*, em Counterpunch


Mas, de fato, Mousavi foi o primeiro a declarar vitória, apenas algumas horas depois de encerrada a votação. É procedimento 'clássico' da CIA, para desacreditar resultados eleitorais que não sejam os 'desejados'. A CIA sempre apressa a declaração de vitória. Quanto mais tempo houvesse entre uma declaração 'preventiva' de vitória e a liberação das tabelas oficiais de votos apurados, mais tempo Mousavi teria para criar a impressão de que as autoridades eleitorais, responsáveis pelas eleições, estariam alterando as tabelas de apuração. O mais engraçado é que tantos finjam que não veem o truque e o golpe; menos engraçado é que sinceramente não os vejam.

Quanto à acusação de que a eleição foi roubada, feita pelo Grande Aiatolá Montazeri, ele foi o candidato inicialmente escolhido para suceder Khomeini; perdeu a disputa para o atual Líder Supremo. Para Montazeri, os protestos são ocasião perfeita para 'acertar as contas' com Khamenei. Em todos os casos seria bom negócio para Montazeri contestar as eleições, seja ele controlado pela CIA ou não — e a CIA tem longa história de sucessos no aliciamento de políticos derrotados em eleições perfeitas.

Está em curso uma luta pelo poder entre os aiatolás. Vários estão alinhados contra Ahmadinejad, porque o presidente os tem acusado de corrupção; assim, Ahmadinejad joga para a platéia de eleitores do interior do país, onde a interpretação mais 'popular' dos princípios do islamismo exige que os aiatolás vivam por padrões de equilíbrio e sobriedade, sem excessos nem de poder político nem de dinheiro.

Pessoalmente, acho que há algo de oportunismo nas denúncias feitas por Ahmadinejad; mas oportunismo é uma coisa; outra, completamente diferente, é a repetição incansável, em todos os jornais e televisões norte-americanas, de 'análises' que 'comprovam' que Ahmadinejad não passa de político conservador, reacionário e 'cúmplice' dos aiatolás.

'Analistas' e 'colunistas' e 'especialistas' têm 'explicado as eleições iranianas a partir de suas (deles e delas) pessoais ilusões, fantasias, desejos e emoções... além de, é claro, seus (deles e delas) interesses de vários tipos.

Embora haja pesquisas confiáveis que indicavam há várias semanas que Ahmadinejad seria eleito por diferença "acachapante", é claro que isso não implica que as eleições não tenham sido fraudadas. Mas, sim, há muitos indícios, altamente confiáveis, de que a CIA trabalha, sim, há mais de dois anos para desestabilizar o governo Irãiano.

Dia 23 de maio de 2007, Brian Ross e Richard Esposito noticiaram no canal ABC News: "A CIA recebeu aprovação secreta da Casa Branca para montar uma operação 'negra' para desestabilizar o governo Irãiano, informaram à rede ABC News oficiais da ativa e da reserva da comunidade de inteligência."

Dia 27 de maio de 2007, o jornal London Telegraph, citando outras fontes, noticiou: "O presidente Bush assinou hoje autorização para que a CIA construa campanha de propaganda e desinformação com vista a desestabilizar, e eventualmente destituir, o governo teocrático dos mulás."

Alguns dias antes, o Telegraph noticiara, dia 16 de maio de 2007, que um dos neoconservadores e senhores-da-guerra do governo Bush, John Bolton, declarara ao Telegraph que um ataque militar dos EUA ao Irã "seria a última opção, caso não dessem resultado nem as sanções econômicas nem as tentativas para fomentar agitação de rua e levante da população nas cidades."

Dia 29 de junho de 2008, Seymour Hersh escreveu, na revista New Yorker: "No final do ano passado, o Congresso aprovou pedido do presidente Bush para liberar verbas para uma grande escalada nas operações secretas de inteligência contra o Irã, conforme informam fontes militares, do serviço secreto e do Congresso. Essas operações, para as quais o presidente Bush solicitou 400 milhões de dólares, foram apresentadas em documento ("Presidential Finding") assinado por Bush e visam a desestabilizar o governo religioso do Irã."

Parece evidente que há manifestantes sinceros nos protestos de rua em Teerã. Mas há também muito evidentes sinais que são como marca registrada da CIA, já observados na Georgia e na Ucrânia. É preciso ser completamente cego para não os ver em Teerã.

Daniel McAdams anotou sinais interessantes. Por exemplo, o neoconservador Kenneth Timmerman escreveu um dia antes das eleições, que "fala-se de uma 'revolução verde' em Teerã". Como Timmerman poderia saber de uma 'revolução' que só começaria dois dias depois? A única explicação é que conhecia os planos da CIA.

E por que haveria uma "revolução verde" já preparada desde antes das eleições... sobretudo se Mousavi estivesse certo de que seria 'eleito'? Não há como fugir da evidência de que, sim, os EUA trabalharam para criar os protestos pós-eleitorais que se veem hoje em Teerã.

Timmerman chega a escrever, bem claramente, que “[a ONG] National Endowment for Democracy gastou milhões de dólares na promoção de revoluções "coloridas" (...). Parte desse dinheiro parece ter chegado às mãos dos grupos pró-Mousavi, que têm laços com organizações não-governamentais fora do Irã financiadas pela [ONG] National Endowment for Democracy." A própria ONG neoconservadora de Timmerman, Foundation for Democracy, é "organização privada, sem finalidades lucrativas, fundada em 1995 a partir de doações da ONG National Endowment for Democracy, NED, para promover a democracia e o respeito aos direitos humanos no Irã."

* Paul Craig Roberts foi secretário-assistente do Tesouro durante o governo Reagan. É coautor de The Tyranny of Good Intentions. Recebe e-mails em
PaulCraigRoberts@yahoo.com

O artigo original, em inglês, pode ser lido
aqui.
Artigo retirado de O Vermelho

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Breve história da Geórgia

Entre os séculos XVI e XVIII, a Geórgia foi cenário de lutas entre o Irão e a Turquia para o domínio da Transcaucasia (actuais Geórgia, Arménia e Azerbeijão).

Em 21 de Dezembro de 1782, o Rei georgiano Irakli II pediu à Imperatriz Russa Catarina a Grande protecção estabelecendo um protectorado sobre a Geórgia.

Em Julho de 1783, Geórgia e Rússia firmaram na fortaleza de Gueorguievsk um tratado segundo a qual Irakli II reconhecia o poder da Rússia.

A 24 de Janeiro o tratado entrou em vigor. O documento teve o nome de “tratado de Gueorguievsk”.


As cláusulas fundamentais do contrato eram:
- A Rússia comprometia-se a defender a Geórgia em caso de guerra e o Rei Irakli II a manter relações de paz com o rei Solomón de Geórgia Ocidental (actual Geórgia). Em caso de litígio, o imperador russo actuaria como mediador. A Rússia comprometia-se a manter na Geórgia dois batalhões de infantaria para reforçar a defesa e em caso de guerra devia prestar ajuda adicional.

Em 1801, o imperador russo Alejandro I decretou a abolição do reino ocidental georgiano de Kartli-Kajetia e inclui a Geórgia Oriental no império russo. O reino da Geórgia Oriental foi declarado “província georgiana”.

Em 1810, o reino de Imeretia (Geórgia Ocidental) também passou a fazer parte do Império Russo.

O Império russo promove a ida de colonos russos para todas as cidades georgianos, o que explica a força que tiveram os movimentos revolucionário nesta região, com o surgimento de grupos nacionalistas, populistas e sociais-democratas marxistas. Aqui iniciou a sua carreira politica Iosif Dzhugashvili, mais conhecido pelo pseudónimo de Stalin. Os georgianos desempenharam um importante papel na revolução de 1905 que abalou o Império russo.

Após o triunfo da revolução Bolchevique, o poder na Transcaucasia ficou nas mãos dos Mencheviques. Em Abril de 1918, em Tiflis (Tbilisi), o governo unificado da Transcaucasia anunciou a sua separação da Rússia Soviética. Em 26 de Maio de 1918 a Geórgia proclamou a sua independência que Moscovo reconhece dois anos depois.

Entre 1918 e 1920 entraram na Geórgia tropas alemãs, turcas e inglesas que procuravam derrubar o regime socialista na Rússia.

Em Fevereiro de 1921, o exército vermelho ocupou o território e estabeleceu o poder soviético.
Em 25 de Fevereiro foi proclamada a Republica Socialista da Geórgia, com a Republica Autónoma da Abkasia formando parte desta. A Turquia cedeu Batumi e a parte norte da Adzharia, que foi integrada como Republica autónoma.

Em Março de 1922, Geórgia, Azerbeijão e Arménia formam a federação da Transcaucasia. Um mês depois formou-se a Região Autónoma da Ossétia do Sul, como parte da Geórgia.

Em 5 de Dezembro de 1936 dissolveu-se a Federação da Transcaucasia e a Geórgia passou a integrar as 15 Repúblicas da União Soviética

Em 1972 Eduard Shevardnadze fica à frente do Governo e do Partido comunista da Geórgia.

Em 1985 Shevardnadze é designado Ministro da relações Exteriores da URSS, no governo de Gorbachov.

Em 28 de Outubro de 1990 há eleições para o Soviete da RSS da Geórgia, tendo obtido a vitória o bloco de partidos “Geórgia Livre”. Gamsacurdia, um opositor político do regime soviético, tornou-se líder desse bloco. A RSS da Geórgia muda de nome para República da Geórgia.

A região Autónoma da Ossétia do Sul proclama-se República. O Soviete da Geórgia anula essa decisão, decreta o estado de emergência e organiza o bloqueio da região. Iniciam-se os confrontos entre a Ossétia e tropas georgianas.

Em Abril de 1991 a Geórgia declara a independência. A 27 de Maio Gamsacurdia é eleito presidente.

Depois de sucessivas manifestações, a 6 de Janeiro de 1992 soldados sob o comando de Kitovani assaltam a sede do governo e tomam o poder. No final de Janeiro falha uma tentativa para pôr fim ao conflito na Ossétia.

Em Março de 1992 Eduard Shevardnadze regressa ao país para assumir a presidência. A 28 de Junho é assinado um cessar-fogo na Ossétia do Sul, supervisionado por militares russos, georgianos e ossetinos

As autoridades da Abkasia, com capital em Sujumi, adoptam uma decisão que limita a jurisdição do governo central da Geórgia. Em 14 de Agosto as tropas governamentais entram na Abkasia e ocupam Sukhumi. As autoridades locais refugiam-se na cidade de Gudauta que se converte em foco de resistência.

No princípio de 1993 a força aérea russa bombardeia as tropas da Geórgia na Abkasia. Em 28 de Junho entra em vigor um armistício, mediado pela Rússia.

Em Novembro de 1993 partidários do ex-presidente Gamsacurdia lançam uma ampla ofensiva, mas foram derrotados graças à intervenção das tropas russas, nesse mesmo mês a Geórgia ingressa na CEI (Comunidade de Estados Independentes).

No começo de 1994 morre Gamsacurdia que segundo a versão oficial se suicidou. Em Fevereiro a Geórgia assina um tratado de amizade com a Rússia e em Abril é assinado em Moscovo um tratado de paz com os rebeldes Abkazes.

Entre 20 e 23 de Novembro de 2003 dá-se a chamada “Revolução das Rosas” que retira Shevardnaze do poder e acaba por conduzir Mikheil Saakashvili à presidência da Geórgia em 2004. A partir dessa data, o governo georgiano inicia uma linha de afastamento da Rússia e de aproximação aos EUA e à NATO, ao mesmo tempo que cresce a pressão sobre as regiões separatistas no sentido de acabar com as autonomias.

Durante o ano de 2008 registam-se confrontos esporádicos entre forças das regiões secessionistas e georgianas, acabando o exército da Geórgia por ocupar a Tskinvali, capital da Ossétia do Sul no dia 8 de Agosto, levando à intervenção do exército russo em defesa dos ossetas
.

O maior pecado de Mugabe

Nas últimas Conferências da OIT, a situação do Zimbábue tem sido um dos pontos de acirrada discussão na Comissão de Normas. O Vermelho reproduz aqui os principais trechos do artigo do economista William Engdahl*, editor e colaborador do site canadense Global Research, traduzido por Maria Pimentel, da Secretaria de Relações Internacionais da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), que tem sistematicamente solidarizado com a luta deste valoroso povo africano, que com heroísmo defende sua soberania e suas riquezas.

Robert Mugabe, o Presidente do Zimbábue, preside um dos tesouros minerais mais ricos do mundo, a região do Great Dyke, com uma faixa geológica que atravessa todo o território do nordeste ao sudoeste. O motivo real da piedosa preocupação da Administração Bush durante estes últimos anos pela situação dos direitos humanos no Zimbábue não se deve à suposta fraude na eleição de Mugabe ou às expropriações realizadas nas fazendas dos colonos brancos. O que parece ser seu pecado tem mais a ver com suas tentativas de escapar da dependência e do servilismo neocolonial anglo-estadunidense e buscar um desenvolvimento econômico nacional independente do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Seu pecado autêntico parece ser o fato de que tem se voltado para uma nação que oferece créditos governamentais e empréstimos brandos sem condicionamentos, para o desenvolvimento econômico: a República Popular de China.

O Presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, é um homem muito, muito mau. Isso é o que todos deduzimos quando lemos os jornais ou escutamos os pronunciamentos de George W. Bush, do anterior Primeiro Ministro britânico Tony Blair e, mais recentemente, de Gordon Brown. Acusam-lhe de ser um ditador; de que expropriou, freqüentemente com violência, as fazendas dos brancos como parte de uma reforma agrária; proclamam também que forçou sua reeleição mediante o voto fraudulento e a violência, e que tem arruinado a economia do Zimbábue.

Porém, se Robert Mugabe merece estar na lista de honra de "vilões" de Washington junto com Fidel Castro, Saddam Hussein, Milosevic, Ahmadinejad e Adolfo Hitler, não é essa a razão pela qual Washington e Londres têm feito da mudança de regime no Zimbábue a prioridade número um de sua política para a África.

O legado de Cecil Rhodes

Zimbábue é o nome do que se chamou Rodésia durante a era do imperialismo britânico de um século atrás. O nome de Rodésia provinha do estrategista imperial britânico e mineiro Cecil Rhodes, fundador das bolsas Rhodes para Oxford, e autor de um plano para que a Rainha de Inglaterra exercesse seu controle privadamente sobre uma imensa zona africana que iria desde Egito à África do Sul. Cecil Rhodes criou a Companhia Britânica de Sul-áfrica, seguindo o modelo da Companhia das Índias Orientais, junto com o seu sócio, L. Starr Jameson, da Jameson Raid, de tão infausta lembrança, para explorar as riquezas minerais de Rodésia. Controlava o que se denominou depois de Rodésia do Norte (Zâmbia) e Rodésia do Sul - Nyasaland. O modelo implicava que o governo britânico assumiria todos os riscos para defender militarmente o saqueio de Rhodes, enquanto este e seus banqueiros londrinos, sobre tudo Lord Rothschild, que era um sócio muito chegado, levariam todos os lucros do negócio.

Rhodes, um experimentado geólogo, sabia bem que havia uma falha geológica notável que ia desde a desembocadura do Nilo, no Golfo de Suez, em direção ao sul a través do Sudão, Uganda, Tanzânia, do que hoje se chama Zimbábue, até chegar à África do Sul. Rhodes tinha instigado já várias guerras para conseguir o controle dos diamantes de Kimberley e o ouro de Witwatersrand na África do Sul. E havia descoberto esse fenômeno geológico na década de 1880, junto com exploradores de empresas alemãs. E o chamaram de Valle de Great Rift.

Rodésia, do mesmo jeito que a África do Sul depois das sangrentas guerras Boer, foi ocupada por colonos brancos para assegurar os futuros lucros minerais para os interesses aliados da City de Londres, principalmente os da poderosa família Oppenheimer e suas empresas de ouro e diamantes na região.

Em 1962, quando a África viveu o impulso pela libertação nacional do domínio colonial - uma onda calculadamente apoiada pela "potência não colonial" de Washington - Rodésia foi um dos últimos bastiões, junto com a antiga colônia britânica da África do Sul, de domínio do Apartheid branco. Os brancos na Rodésia constituíam só 1-2% da população total, por isso seus métodos para se manter no poder eram absolutamente desapiedados.

O Primeiro Ministro da supremacia branca, Ian Smith, preferiu declarar em 1965 a independência de Rodésia em relação à Grã Bretanha antes que chegar ao mais leve compromisso para compartilhar o poder com os nacionalistas negros. Grã Bretanha conseguiu sanções comerciais das Nações Unidas para forçar a Smith a dobrar os joelhos. Apesar das sanções, Smith teve um considerável apoio por parte dos interesses comerciais conservadores em Londres. O britânico Tony Rowland, chefe do conglomerado mineiro Lonrho, se assegurou o grosso de seus benefícios africanos das minas de cobre de Rodésia e das empresas sob o regime de Smith. A City de Londres sabia muito bem das riquezas que guardava Rodésia. A questão era como assegurar um controle duradouro. Os patrocinadores de Smith na Rodésia tinham pouco interesse em entregar tudo a Londres.

Em 1980, após uma longa e sangrenta luta, o dirigente da Coalizão da Frente Popular Africana Negra, Robert Mugabe, venceu de forma esmagadora as eleições como Primeiro Ministro de um novo Zimbábue. Vinte e oito anos depois, o mesmo Robert Mugabe está sendo cada vez mais atacado por Ocidente, especialmente pelo antigo amo colonial do Zimbábue, a Inglaterra, incluindo fortes sanções econômicas desenhadas para levar o país à beira do colapso e para obrigá-lo a abrir a economia ao investimento estrangeiro (leia-se anglo-estadunidense e aliados). Ironicamente, a questão não parece muito distinta daquela da era de Ian Smith: o controle dos recursos por parte de Londres e EUA e os esforços do Zimbábue para resistir a esse controle.

O great dyke

No Zimbábue, uma parte do rico Great Rift é o chamado Great Dyke, uma zona intrusiva** que é um tesouro geológico que se estende ao longo de 530 quilômetros desde o nordeste ao sudoeste do país, e que em alguns lugares tem até 12 quilômetros de largura. Um rio corre ao longo da falha e a região é vulcanicamente ativa. Ali jazem também imensos depósitos de cromo, cobre, platina e outros metais.

O Departamento de Estado dos EUA, assim como Londres, é consciente dos imensos minerais e outras riquezas do Zimbábue. Num recente informe sobre o país se afirma:

"O Zimbábue conta com ricos recursos minerais. As exportações de ouro, asbestos, cromo, carvão, platina, níquel e cobre poderiam levar um dia a uma recuperação econômica… O país está ricamente dotado de uma bolsa de gás metano que está ainda por esplorar.

Com atrativos internacionais como as Cataratas Vitória, as ruínas de pedra do Grande Zimbábue, o Lago Kariba, e uma imensa vida selvagem, o turismo tem sido historicamente um segmento importante da economia e tem contribuído para a entrada de divisas. Porém, o setor se contraiu de forma aguda desde 1999, devido à imagem internacional de decadência do país" (sic).

Recursos energéticos

"Com um considerável potêncial de energia hidroelétrica e abundantes depósitos de carvão para centrais de energia térmica, o Zimbábue depende menos do petróleo como fonte energética que a maioria de outros países de semelhante industrialização, mas ainda importa dos países vizinhos 40% da energia elétrica que necessita, sobre tudo de Moçambique. Só cerca de 15% do consumo energético total do Zimbábue se resolve a través do petróleo que é em sua totalidade importado – Importa cerca de 1,2 bilhões de litros de petróleo ao ano. O Zimbábue tem também importantes reservas de carvão que é utilizada para gerar energia e, os depósitos de bolsas de metano recentemente descobertos na província de Matabeleland são os maiores campos de gás até agora conhecidos no Sudeste da África. Em anos recentes, a deficiente administração econômica e as escassas reservas de divisas tem provocado sérias carências de combustível".

Em resumo, cromo, cobre, ouro, platina, um imenso potêncial de energia hidroelétrica e imensas reservas de carvão é o que está em jogo no Zimbábue para Washington e Londres. O país tem também reservas de urânio ainda não quantificadas - mineral de grande demanda, atualmente, na produção de energia nuclear.

Ultimamente ficou muito claro que enquanto o tenaz Mugabe controle as coisas, os sócios comerciais preferidos do Zimbábue não são os anglo-estadunidenses, mas os chineses. Esse parece ser o pecado maior de Mugabe. Não está seguindo o programa traçado por George W. Bush e seus amigos. Seu pecado real parece ser o de ter se voltado para o Oriente, em vez do Ocidente, em busca de ajuda econômica e para investimentos.

Durante a Guerra Fria, a China reconheceu e apoiou Robert Mugabe. Em anos recentes, ao mesmo tempo em que a busca da China por matérias primas seguras fez com que sua diplomacia se intensificasse, as relações entre ambos países foram se fortalecendo cada vez mais. Segundo os meios de comunicação chineses, a China tem investido no Zimbábue mais que em qualquer outra nação.

Retrocedendo à julho de 2005, enquanto Tony Blair apertava ainda mais as sanções contra o Zimbábue, Mugabe foi a Pequim para se reunir com os altos dirigentes chineses, onde, segundo se informou, solicitou um empréstimo de emergência pelo valor de 1 bilhão de dólares e pediu que se incrementasse a participação chinesa na economia.

Essa colaboração começou rapidamente a dar frutos. Em junho de 2006, empresas de propriedade estatal do Zimbábue assinaram uma série de acordos nos campos da energia, mineração e agricultura com empresas chinesas pelo valor de bilhões de dólares. O maior acordo foi assinado com a China Machine-Building International Corporation, com um contrato pelo valor de 1,3 bilhões de dólares em minas de carvão e geradores de energia térmica no Zimbábue, com a finalidade de reduzir as carências elétricas do país. A companhia chinesa já tem construído centrais térmicas na Nigéria e no Sudão e tem participado em projetos minerais no Gabão.

Em 2007, o governo chinês doou maquinaria agrícola ao Zimbábue pelo valor de 25 milhões de dólares, incluindo 424 tratores e 50 caminhões, como parte de um empréstimo de 58 milhões de dólares ao governo do Zimbábue. A administração de Mugabe tinha anteriormente expropriado as fazendas de propriedade branca e entregado aos negros, sendo o maquinário danificado durante o processo. Em troca do equipamento e dos empréstimos, o governo do Zimbábue enviará 30 milhões de quilogramas de tabaco para a República Popular de China.

Os acordos entre o Zimbábue e a China incluíam um entre a Zimbábue Mining Development e a China's Star Communications, para formar uma empresa mista no setor da mineração de cromo, financiada pelo Banco de Desenvolvimento da China. O Zimbábue também acertou importar equipamento agrícola, para construir estradas e para regado, da China National Construction e da Agricultural Machinery Import and Export Corporation e do China Poly Group. O Zimbábue também importa da China equipamento para tele-comunicações, hardware militar e muitos outros aspectos importantes que já não pode importar do Ocidente devido às sanções auspiciadas pelos britânicos.

Em abril de 2007, o presidente da alta instituição de assessoria política da China, Jia Qinglin, diretor do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política Popular da China, voou a Harare para se reunir com Mugabe. Seguiu-se a essa reunião a Cúpula de Cooperação China-África em Pequim em 2006, na qual o governo chinês convidou os presidentes de mais de quarenta estados africanos para discutir suas relações.

A mineração gera a metade dos recursos por exportações do Zimbábue. É o único sector do país que ainda tem investimentos estrangeiros depois do colapso do importante setor agrícola. As companhias ocidentais com concessões mineiras no Zimbábue não as estão explorando.

Em dezembro de 2007, a empresa chinesa Sinosteel Corporation, adquiriu uma participação de 67% dos Holdings Zimasco, o principal produtor e exportador de ferro-cromo do Zimbábue. Os Holdings Zimasco são o quinto maior produtor de ferro-cromo carburado do mundo e estão produzindo 210.000 toneladas de ferro-cromo com alto conteúdo em carvão por ano, quase todo ele obtido do Great Dyke, até representar 4% da produção global de ferro-cromo.

Zimasco tem também as segundas maiores reservas de cromo do mundo, depois da África do Sul. Foi anteriormente propriedade da Union Carbide Corporation, e agora é parte da Dow Chemicals Corp.

Controlar o avanço econômico da China é uma prioridade estratégica não declarada da política militar e exterior dos Estados Unidos e desde antes de 11 de Setembro de 2001. Mas a batalha pelas matérias primas está no coração da luta, e, segundo se relata, é a razão real da recente decisão de Washington de formar no Pentágono um Comando separado para África.

A China se nega a seguir as normas do jogo neocolonial anglo-estadunidense. Não busca a aprovação do FMI ou do Banco Mundial antes de negociar com os países africanos.

As riquezas minerais têm colocado uma vez mais a África no centro do cenário da batalha entre Oriente e Ocidente. Porém, nesta ocasião e à diferença da era da Guerra Fria, Pequim joga com melhores cartas e Washington vai atrás, bem de longe.

* F. William Engdahl é autor de "A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order (Pluto Press), e "Seed of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic Manipulation (
www.globalresearch.ca). Pode-se entrar em contato com ele em sua página de Internet: www.engdahl.oilgeopolitics.net.

**Zona intrusiva - zona de riquezas minerais consolidadas em partes profundas.

domingo, 6 de julho de 2008

Sobre o Presidente da Colômbia, Alvaro Uribe

Parte de um documento oficial americano sobre o passado de Álvaro Uribe e de muitos outros do seu governo. O documento pode ser consultado aqui.

O sindicalismo na Colômbia

"Detenções, torturas, assassínios: 2006 foi o ano mais violento para os sindicalistas, com 144 a serem mortos devido à sua actividade. Um relatório da Confederação Internacional de Sindicatos (CSI) revela um aumento de 25% no número de assassínios em relação a 2005. Como nos estudos anteriores, a Colômbia, com 78
mortes, foi o país mais violento."Os trabalhadores que procuram melhorar a vida através de actividades sindicais confrontam-se cada vez mais com a repressão", afirmou o britânico Guy Ryder, secretário-geral da CSI, no prefácio do relatório. O documento, que analisa a situação em 168 países, aponta a Colômbia como o caso mais preocupante. "O Presidente Álvaro Uribe procura convencer o mundo de que a situação está a melhorar, mas é mentira", disse Ryder. A maioria dos 78 sindicalistas mortos naquele país da América Latina foram vítimas dos paramilitares. "

in DN de 19.9.2007

Como milhares de militantes foram liquidados na Colômbia

por Iván Cepeda Castro e Cláudia Giron Ortiz
in Le Monde Diplomatique, Maio de 2005

(texto em português do Brasil)

Vida e morte da União Patriótica

A exterminio dos membros da União Patriótica chama a atenção para uma das causas que explicam a duração e a crueldade do interminável conflito armado colombiano: uma democracia formal que camufla técnicas sofisticadas de eliminação dos opositores. Fora da Colômbia, sabe-se muito pouco sobre a repressão sistemática que golpeia os movimentos de oposição.
No âmbito de um conflito armado que já se eternizava, em 28 de março de 1984, durante o mandato do presidente Belisario Betancur, os representantes do Estado e a direção das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) assinaram os Acordos do Uribe. Estes estipulavam o compromisso do governo na promoção de reformas políticas, sociais e econômicas, condenavam os seqüestros e o terrorismo imputáveis ao grupo guerilheiro, com ambas as partes exprimindo sua vontade de pôr um fim a esse tipo de prática. Os acordos definiam ainda que, um ano após o início das negociações de paz, seria preciso fornecer as condições que permitissem ao grupo guerrilheiro "organizar-se politica, econômica e socialmente". Desse acordo nasceu, em maio de 1985, um partido político: a União Patriótica.

Fora da Colômbia, sabe-se muito pouco sobre a repressão sistemática que, tanto ontem como hoje, golpeia no país os movimentos de oposição. Uma perseguição permanente é ali exercida, abertamente ou de maneira dissimulada, por setores do poder do Estado, por meio das forças militares, de corpos de segurança ou com a cumplicidade dos grupos paramilitares.

De onde vem a violência

Há 50 anos, o Estado combina mecanismos legais e dispositivos ilegais que permitem o emprego arbitrário e excessivo da força.

Devido a estratégias de impunidade particularmente eficazes, e à imagem confusa que os meios de comunicação social oferecem do conflito colombiano, é difícil identificar quem são os autores dos atos de violência. Os grupos ilegais (guerrilhas, paramilitares)? Os narcotraficantes? Em todos os casos, o Estado parece de fora. Ora, há 50 anos, o próprio Estado combina os mecanismos legais e os dispositivos ilegais que permitem um emprego arbitrário e excessivo da força.

Assim, leis (sob pretexto de estado de exceção) permitem delegar às forças armadas funções da polícia judicial. A face escondida dessa política é constituída pelos dispositivos da "guerra suja": grupos paramilitares, atuações ilegais do exército nacional por meio de operações secretas das "brigadas de informações", ações de "guerra psicológica" etc.

Em 1985, setores que têm como objetivo comum o estudo da reconciliação nacional pelo viés de transformações estruturais da sociedade participam na criação da UP. Em sua qualidade de formação pluralista de oposição, esta emite propostas inovadoras após décadas de hegemonia liberal e conservadora no país1. O seu programa propõe uma abertura para formas de democracia mais reais e profundas, incluindo mudanças sociais que visam ultrapassar a falta de eqüidade característica da sociedade. Considera igualmente a elaboração de uma nova carta constitucional (a proposta se tornaria realidade em 1991, por meio da convocação da Assembléia Nacional Constituinte que redigiria a nova Constituição).

Política de eliminação

O método do "desaparecimento" forçado é utilizado para eliminar, sem deixar vestígios, centenas de membros da União Patriótica.

Contudo, alguns meses após a apresentação pública do novo movimento, várias violações dos acordos conduziram ao malogro da negociação. A guerrilha concentrou-se nas suas zonas de influência e a União Patriótica manteve-se no espaço público.

Embora o Estado tenha se comprometido a favorecer sua ação política, os primeiros homicídios atingiram o movimento a partir de meados de 1985. Desde então, uma intenção criminosa se manifesta, visando destruir a UP: uma combinação de atos criminosos e de perseguição e de esfacelamento que tendem a provocar a eliminação total ou parcial do grupo opositor.

Centenas dos seus membros e simpatizantes foram assassinados em massacres2. Em 11 de novembro de 1988, por exemplo, quarenta militantes foram executados publicamente na praça central de Segóvia, departamento de Antioquia. Produzindo-se de maneira simultânea, estes homicídios coletivos prolongam-se no tempo por meio de crimes individuais que visam destruir comunidades determinadas. Famílias inteiras são perseguidas, à imagem dos Cañon-Trujillo – que, devido a sua militância, viram, desde 1986, quatro dos seus familiares assassinados. O método do "desaparecimento" forçado é utilizado igualmente para eliminar, sem deixar vestígios, centenas de membros do movimento.

Silêncio imposto

As testemunhas são forçadas ao silêncio, assim como os sobreviventes ou os pais das vítimas que reclamam justiça.

Contra os eleitos e os líderes do grupo, é empregado o método do assassinato seletivo. Dois candidatos às eleições presidenciais, Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo Ossa, foram assim eliminados, respectivamente, em 1987 e 1990. Em 1994, a UP perde o seu último membro do Parlamento, com o assassinato do senador Manuel Cepeda Vargas. Anteriormente, oito parlamentares foram vítimas de atentados mortais, quase sempre em seu domicílio. Centenas de prefeitos e representantes dos poderes locais foram mortos. Por vezes, assistiu-se ao assassinato sucessivo de quatro prefeitos integrantes do movimento numa mesma localidade. As sedes da UP sofreram mais de trinta atentados à bomba. Quanto às testemunhas, são forçadas ao silêncio, assim como os sobreviventes ou os pais das vítimas que reclamam justiça.

O resultado desta estratégia multiforme de perseguição foi a morte violenta de mais de 3 mil pessoas e o deslocamento ou o exílio forçados de um número indeterminado – a base social desta coletividade política. Tais números têm um caráter provisório. Ainda hoje multiplicam-se perseguições, ameaças e execuções. A grande maioria dos casos permanece coberta por uma impunidade total. Num relatório especial, o Escritório do Ombudsman assinalou que dos numerosos atos de violência cometidos contra a UP entre 1985 e 1992, a Justiça ordenou sentenças condenatórias em apenas quatro casos.

O Estado colombiano sempre se recusou a reconhecer sua responsabilidade nesta eliminação sistemática. Eximiu-se de adotar qualquer medida que tendesse a admitir que os autores de tais atos são membros da força pública que agem freqüentemente em companhia de paramilitares, e deu a entender que o que aconteceu com a UP seria o resultado de "fatos individuais e sem relações" cometidas por narcotraficantes durante vinganças locais ou por delinqüentes comuns.

Legitimação da violência

Tenta-se justificar os massacres no contexto da violência generalizada, cuja explicação seria a reação natural às atrocidades cometidas pela guerrilha.

Legitimando a violência exercida, certos funcionários do Estado sustentaram que, em última instância, o destino sofrido pela UP era "previsível", por se tratar de um movimento nascido de acordos com a guerrilha. Do mesmo modo, procuraram minimizar os massacres cometidos, "feitos entre tanto outros", no contexto da violência generalizada, cuja explicação seria a reação natural às atrocidades cometidas pela guerrilha.

Mesmo o atual presidente da república, Álvaro Uribe Vélez, afirmou, quando de sua campanha eleitoral, que "o erro" cometido com a UP era compreensível, porque não se pode "combinar a política com os fuzis3". O silêncio de influentes setores da sociedade colombiana – como a alta hierarquia da Igreja Católica – perante a legitimação pública desta onda de criminalidade contribuiu para a consolidação de um ambiente de permissividade generalizada diante da cadeia ininterrupta de atos de violência.

A campanha de extermínio foi selada por uma medida administrativa que privou o grupo de oposição de qualquer estatuto legal, quando o Conselho Nacional Eleitoral afirmou que a UP "não reúne o número de sufrágios eleitorais necessários" para a renovação da sua personalidade jurídica. Esta medida não somente constitui um obstáculo legal à ação pública dos sobreviventes do movimento, mas tem também um evidente significado simbólico: após a destruição física do grupo político pelo poder de Estado, este legaliza o seu "falecimento" através de uma decisão oficial.

Genocídio político

As vítimas e os sobreviventes da UP exigiram que os fatos fossem reconhecidos como tendo caráter de "genocídio" com motivos políticos.

A destruição desta corrente de oposição provém da tradição de exclusão e sectarismo político historicamente enraizada na Colômbia. Durante a segunda metade do século passado, a violência política custou a vida de opositores de diversas tendências e origens. Nos anos 1940 e 1950, milhares de partidários e simpatizantes do movimento de Jorge Eliécer Gaitán – líder do liberalismo popular, assassinado em 1948 – foram vítimas de atentados ou de massacres executados por grupos paramilitares promovidos pelos governos conservadores4. Do mesmo modo, os opositores à hegemonia dos partidos liberal e conservador, ou seus dissidentes, se viram tradicionalmente confrontados com perseguições sistemáticas. Tais crimes ocorreram não somente em situação de conflito armado, mas também no âmbito da negociação ou da aplicação de acordos de paz. Em cada um desses processos, a norma foi o assassinato do porta-voz dos grupos armados de oposição, seja durante os períodos de negociação ou quando da sua reintegração à vida legal.

Confrontados com a ausência de garantias para obter justiça, as vítimas e os sobreviventes da UP recorreram a instâncias internacionais e, em especial, aos mecanismos propostos para esse efeito pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Neste quadro, a Comissão Interamericana dos Direitos do Homem (CIDH) admitiu o caso "11.227" no qual é examinada a exterminação da UP, a pedido da associação “Reiniciar” e da Comissão Colombiana dos Juristas. As vítimas e os sobreviventes da UP exigiram que os fatos fossem reconhecidos como tendo um caráter de "genocídio" com motivos políticos.

A Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (1948) estipula que se pode falar em genocídio apenas quando a ação de destruição é dirigida contra grupos de caráter nacional, étnico, racial ou religioso. Contudo, o debate contemporâneo sobre a doutrina do direito internacional e as ciências sociais responsáveis pelo estudo desta forma de violência extrema tende a reforçar a convicção de que é necessário alargar o âmbito da aplicação deste conceito aos massacres globais cometidos contra coletividades que se identificam pelos ideais políticos.

Sob o comando do Estado

Os sobreviventes do grupo político trouxeram provas sobre a existência de pelo menos cinco planos desenvolvidos desde as altas esferas do Estado.

Em 1985, Benjamin Whitaker, relator especial da ONU sobre questões de genocídio, reconhecia no seu relatório a necessidade de incluir outros grupos (sociais, sexuais, políticos) na definição da Convenção contra o genocídio. Em novembro de 1998, o Tribunal Nacional Espanhol reviu suas competências para julgar os membros da junta militar argentina. Numa decisão unânime, declarou-se habilitado a convocar por delito de genocídio os militares que, entre 1976 e 1983, tentaram eliminar um grupo devido às suas convicções políticas. A sentença assinala: "o que caracteriza o genocídio é o extermínio de um grupo por razões raciais, religiosas, políticas ou outras". E o Tribunal acrescenta que, no caso em questão, houve tentativa de "depuração ideológica" dos que "não tinham lugar no projeto de reorganização nacional5".

No âmbito do sistema regional de proteção dos direitos humanos, os conselheiros jurídicos do Estado colombiano têm entendido inicialmente que o caso da UP não podia ser recebido pela Comissão Interamericana, pois se trata de fatos de violência "não ligados entre si". Do seu lado, a CIDH assinala no relatório 5/97 sobre a admissibilidade deste caso que "os requerentes apresentaram argumentos que visam estabelecer uma prática de assassinatos políticos de massa e a perseguição extrema dos membros da União Patriótica com a intenção de eliminar fisicamente o partido e de diluir a sua força política". Neste mesmo relatório, a instância internacional pronuncia-se em prol da análise do caso com base na existência de elementos suficientes para determinar "uma norma de perseguição6".

A colocação em evidência das ações sistemáticas permitiria demonstrar que os casos da UP, aparentemente isolados, corresponderiam a um esquema de extermínio dirigido de maneira orquestrada. Os sobreviventes do grupo político trouxeram provas sobre a existência de pelo menos cinco planos desenvolvidos desde as altas esferas do Estado. Os planos de extermínio regional "Esmeralda" (1988) e "Retorno" (1993) teria tido como objetivo fazer desaparecer várias seções regionais da UP. De amplitude nacional, a "Operação Condor" (1985) e os planos "Baíle Rojo" (1986) e "Golpe de Gracia" (1992) teriam visado minar as estruturas de direção do movimento e assassinar ou seqüestrar seus líderes eleitos das estruturas de Estado(7.)

Em busca de um acordo

No âmbito do processo perante a CIDH, atualmente é discutida uma solução amigável entre o governo colombiano e as vítimas da UP.

Conseqüência da pressão das vítimas e dos sobreviventes, o código penal colombiano atualmente em vigor reconheceu a figura do genocídio por motivos políticos crime atroz, que este sumário normativo define como fato "de destruir total ou parcialmente um grupo por razões políticas" e provocar a morte dos seus membros "por pertencer a este último".

No âmbito do processo levado a efeito perante a CIDH, atualmente são discutidos os termos de uma solução amigável entre o governo colombiano e as vítimas da UP. Esta diligência deve conduzir a um eventual acordo que considera o direito à verdade e à justiça. Caso contrário, induziria a continuação do processo, levando a uma possível condenação do Estado colombiano.

Em 9 de fevereiro de 2004, por meio de uma declaração do vice-presidente da República, Francisco Santos, o governo anunciou que estava disposto a avançar na busca de uma solução amigável. Nesta declaração pública foi afirmado que os crimes maciços cometidos contra a UP constituem-se em "uma página vergonhosa da história do nosso país". Contudo, algumas horas após este anúncio oficial, Santos recomeçava a eximir a responsabilidade do Estado. Diante dos meios de comunicação, e utilizando os militantes do movimento como bodes expiatórios, o vice-presidente afirmou que os crimes seriam obra dos narcotraficantes que, num contexto de polarização, teriam realizado "acertos de contas" com guerrilhas.

O pretexto antiterrorista

Sob pretexto de ação antiterrorista, militantes são presos e exibidos diante das câmaras de TV, apresentados como membros de organizações armadas subversivas.

Como não duvidar da sinceridade do poder? Sem obstáculos nem reações, atrocidades continuam a ser cometidas contra a UP. Elementos da política de "segurança democrática" instaurada pelo presidente Álvaro Uribe Vélez incentivam o extermínio e a perseguição judicial dos sobreviventes do movimento. Sob pretexto de ação antiterrorista, muitos de seus militantes foram presos em batidas maciças e exibidos diante das câmaras de televisão, apresentados como membros das organizações armadas subversivas.

Sob o atual governo, mais de 150 militantes da UP foram vítimas de homicídios ou de "desaparecimentos" em várias regiões do país. Constatou-se igualmente deslocamentos maciços em zonas onde a oposição política ainda exerce influência. Após desarticular as estruturas do movimento, entra-se numa fase que se propõe incontestavelmente eliminar os sobreviventes.

Estas novas denúncias não provocaram nenhuma ação notável do Estado para prender e julgar os organizadores das ações criminosas. Em contrapartida, assiste-se a novos procedimentos vexatórios contra as vítimas. Assim, o corpo sem vida de Alirio Silva – líder regional da UP assassinado em 1 de março de 2004, na região do Putumayo – foi submetido a uma cadeia de "procedimentos administrativos" que tornaram impossível o seu transporte para Bogotá antes que fosse feita uma autópsia com o objetivo de verificar se não se tratava de um "cadáver-armadilha" preparado pela guerrilha para um atentado.

Obstáculo à democracia

O ceticismo em relação à viabilidade de uma ação política de forma cidadã reforça a crença na via da violência para resolver os problemas do país.

Por outro lado, desde 27 de novembro de 2002, o governo do presidente Uribe iniciou uma "reintegração à sociedade" dos grupos paramilitares. Uma parte desta política de reintegração parece querer apoiar-se em medidas legislativas e administrativas capazes de garantir a impunidade e o perdão incondicional dos paramilitares. Isso significaria que vários dos principais autores do genocídio contra a UP seriam isentos automaticamente de qualquer responsabilidade, e que o processo de esclarecimento e reparação das vítimas seria assim seriamente prejudicado.

O conjunto dos atos de terror e de violência perpetrados contra a UP constituiu um obstáculo na perspectiva de democratização da sociedade colombiana. E não é a única conseqüência. Reforçando o medo de exprimir livremente a sua oposição, provocando um profundo ceticismo em relação à viabilidade de levar a cabo uma ação política de maneira cidadã, reforçaram a convicção dos que crêem apenas na via da violência para resolver os problemas do país.

(Trad.: Marcelo de Valécio)

1 - O Partido Liberal e o Partido conservador compartilham o poder desde 1958.
2 - Por "massacre" entende-se o assassinato de mais de três pessoas.
3 - Álvaro Uribe Vélez, “ Manifiesto democrático. 100 puntos del programa de Gobierno”
4 - Conhecido sob o nome de "La Violencia", este período de guerra civil provocou a morte de 300 mil pessoas.
5 - “Auto de la Sala de lo Penal de la Audiencia Nacional confirmando la jurisdicción de España para conocer de los crímenes de genocidio y terrorismo cometidos durante la dictadura argentina ”, Madrid, 4 novembre 1998.
6 - Referência e data do relatório 5/97.
7 - Jahel Quiroga-Carrillo, “ La Unión Patriótica: el exterminio de una esperanza ”, in “Memorias del Seminario sobre el Proceso de Búsqueda de Solución Amistosa en el Caso de la Unión Patriótica que se adelanta ante la CIDH”, Procuraduría General de la Nación – Embajada de Suiza en Colombia, 2003, p.137.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

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